domingo, 9 de setembro de 2007

Periclitação da vida e da saúde

Objetivo: capacitar o aluno para distinguir, conceituar, correlacionar, tipificar e justificar os crimes de perigo, estabelecendo diferenças e correlações com os crimes de dano. 2) Distinguir perigo individual (arts. 132 a 136) e perigo comum (arts. 250 a 258).


Crime de dano e crime de perigo - distinção
DANO: redução ou supressão do gozo de um bem juridicamente tutelado.
O que é “Perigo”!PERIGO: probabilidade de dano.

Teoria Objetiva: estado de fato ou trecho da realidade.
Teoria Subjetiva: mera criação do espírito humano.
Teoria Mista: realidade objetiva aliada a um juízo mental.

Perigo abstrato x perigo concreto
Perigo abstrato é presumido pelo legislador, com base na experiência comum, como resultante natural de certas ações físicas.
Perigo concreto ocorre quando a situação de perigo exige demonstração e prova.

Alguns entendem a existência do crime de perigo quando há possibilidade de dano, mas para a maioria, é necessário que haja probabilidade de dano.

Dolo de dano e dolo de perigo. Distinção.

Não há diferença ontológica. No primeiro caso, o agente quer provocar um dano efetivo (previsibilidade mais vontade de atingir o resultado); no segundo, o fim visado é criar ou aceitar uma situação potencialmente perigosa.

Perigo comum x perigo individual

O perigo comum ocorre quando o agente coloca em risco simultaneamente um número indeterminado de pessoas ou bens (artigos 250 a 258, Título VIII, Capítulo I).
O perigo individual se dá quando o agente atinge um indivíduo particularizado (artigos 130 a 137, Título I, Capítulo III).

Subsidiariedade: o crime de perigo é sempre subsidiário; ocorrendo dano, este prevalece, absorvendo o perigo.

Perigo de contágio venéreo.

Art. 130. “Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1º. Se é intenção do agente transmitir a moléstia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º. Somente se procede mediante representação.

1 Conceito: Consiste em submeter alguém ao risco de contrair moléstia venérea por meio de relação sexual, tendo consciência e vontade, sabendo, ou devendo saber, que é portador da doença.

2 Objeto jurídico: SAÚDE, isto é, o ser humano, do ponto de vista da sua incolumidade fisiológica.

O que é “moléstia venérea?”
O art. 130 é norma penal em branco cuja complementação deve ser buscada nos regulamentos de saúde pública, que arrolam as seguintes doenças venéreas: sífilis, blenorragia, cancro mole ou cancro venéreo simples, linfogranuloma inguinal ou adenite inguinal superaguda. AIDS não é moléstia venérea, mas doença sexualmente transmissível (DST).

3 Sujeito ativo: Homem ou mulher portador de moléstia venérea. O exercício da prostituição não exclui o crime, porque a saúde é bem indisponível, não podendo falar de consentimento ou aceitação do risco da contaminação.
A contaminação pelo cônjuge constitui grave violação do dever matrimonial (Lei 6.515/77, art. 5º) sendo motivo justo para o divórcio.

4 Elemento subjetivo. Segundo a doutrina clássica, há três modalidades: a) dolo eventual: o agente sabe estar contaminado; b) culpa stricu sensu, nesta modalidade, o agente não tem certeza, mas deveria saber da contaminação; c) dolo direto de dano ele conhece a contaminação e efetivamente quer transmitir a doença. Em qualquer dessas espécies, fica claro que a ignorância da moléstia exclui o dolo.[1]

5 Tipo objetivo: a ação física se realiza mediante conjunção carnal ou qualquer dos sucedâneos da cópula normal (felação ou fellatio in ore), coito cunnilingus, pennilingus, annilingus, coito anal e inter femora).

[1]NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1996. v 2, p 85.

É imprescindível contato físico direto entre os sujeitos? O beijo pode transmitir moléstia venérea?
Exige-se contato corpóreo direto entre os sujeitos do delito. Se a amante contagia o marido e este sua esposa, a primeira responderá pelo contágio do segundo, e este pelo da terceira. Ocorrendo contágio por outro meio que não o contato sexual, incidirá o do art. 131. O beijo voluptuoso pode servir de meio à transmissão de algumas doenças venéreas, tais como a sífilis.
Havendo efetiva transmissão da doença há crime de dano?
Resultando efetiva transmissão da moléstia venérea, tem-se a lesão corporal dolosa (Noronha); Damásio de Jesus e Celso Delmanto consideram que há exaurimento do delito; Custódio da Silveira opta pela lesão corporal dolosa ou culposa, conforme o animus do agente; para Heleno Cláudio Fragoso, se há apenas dolo de perigo e a moléstia é transmitida, o agente responde por simples culpa.

6 Consumação e tentativa. A consumação ocorre com a conjunção carnal ou a prática libidinosa, sendo desnecessário efetivo contágio. Admite-se tentativa na modalidade dolosa, mais facilmente detectável na forma do § 1º (dolo direto de dano).

7 Ação penal. Somente se procede mediante representação da vítima (§ 2º). Trata-se de ação pública condicionada, pois depende necessariamente da representação do ofendido ou de quem a represente, como condição de procedibilidade.



PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE

Art. 131: “Praticar, com o fim de transmitir moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir contágio: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

1 Conceito, ação física e elemento subjetivo. Distingue-se do tipo anterior porque só admite modalidade dolosa, ou seja, deve necessariamente estar presente o dolo específico de contagiar (dolo de dano). Portanto, é, de fato, crime de dano e não de perigo. Abrange moléstias venéreas, quando transmitidas por outro meio fora o contato sexual direto, e outras enfermidades graves e contagiosas, tais como tuberculose, tifo, lepra, sarampo, febre amarela, hepatite, entre outras. A tipicidade configura outra hipótese de norma penal em branco, pois sua descrição exige a complementação por normas de saúde pública, que definem as doenças venéreas, doenças graves e contagiosas, exigindo a notificação obrigatória do médico às secretarias estaduais de saúde. A transmissão pode ocorrer de forma direta (aperto de mão, beijo, aleitamento, etc.) ou indireta (por meio de utensílios, roupas, vasilhames, instrumentos, objetos, etc.). Nesse ponto, difere do art. 130, que só se configura com o contato direto. Se culposa a transmissão, há lesão ou homicídio culposo, conforme o caso.


PERIGO PARA A VIDA OU A SAÚDE DE OUTREM

“Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave”.


1 Conceito. Forma genérica dos delitos do Capítulo IV, do Código Penal, que inclui todas as formas de perigo para a vida ou a saúde não enquadráveis em algum dos tipos precedentes. É delito eminentemente subsidiário, como denota a redação usada pelo legislador “se o fato não constitui crime mais grave”.

2 Objeto jurídico. Vida e saúde da pessoa humana.

3 Sujeitos do delito. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo.

4 Ação física. Crime ação livre, a criação do perigo pode ser qualquer ação que coloque em risco a incolumidade física de alguém. O perigo é concreto, exigindo efetiva demonstração caso a caso.

5 Elemento subjetivo. Dolo direto de perigo.

6 Forma qualificada. O parágrafo único, introduzido pela Lei 9.777, de 29.12.98, acrescento uma forma qualificada ao delito do art. 132, prevendo aumento da pena em um terço se a exposição a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em desacordo com as normas legais. Na verdade, a inspiração original do legislador era justamente conferir proteção aos retirantes da seca nordestina e aos bóias-frias contratados em suas regiões de origem, que eram levados em caminhões conhecidos como “pau-de-arara” para a “cidade grande” ou para realizarem a colheita em fazendas.

Mais recentemente, com o problema crônico do transporte de trabalhadores realizado em condições precárias de segurança realizado, que não raro provocam tragédias de grandes proporções, houve por o legislador revigorar a norma, dotando-o de uma forma qualificada de conduta caracterizada no transporte de realizado em desacordo com as normas legais previstas no Código de Trânsito Brasileiro.


ABANDONO DE INCAPAZ

“Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”.Pena: detenção, de seis meses a três anos “.

1 Objeto jurídico. A norma visa proteger menores, anciãos, incapazes e todas as demais pessoas com menores possibilidades de se defender sozinho dos perigos da vida.

2 Sujeitos da infração
2.1 Sujeito ativo: todo aquele que tem o dever de zelar pela vítima. É, portanto, crime próprio, porque exige essa qualidade especial do agente, que é a relação de dependência com a vitima e o garante ou garantidor. Tal dever de garantia decorre de: 1) lei; 2) contrato ou convenção (enfermeiros, médicos, babás, diretores de colégio, guias de excursão, etc.) 3) qualquer fato, lícito ou ilícito, capaz de gerar a dependência (recolhimento de pessoa abandonada, condução de incapaz em viagem, carona, caçada, etc.).

O que se deve entender por cuidado, guarda, vigilância?

O que se deve entender por cuidado, guarda, vigilância ou autoridade?O que diz a doutrina? Nelson Hungria, “cuidado significa assistência a pessoas que, de regra, são capazes de valer a si mesmas, mas que, acidentalmente, venham a perder essa capacidade (Ex. o marido é obrigado a cuidar da esposa enferma e vice-versa). Guarda é a assistência a pessoas que não prescindem dela, e compreende, necessariamente, a vigilância. Essa pode ser alheia (ex. guia alpino vigia a segurança de seus companheiros de ascensão, mas não os tem sob sua guarda). Finalmente, a assistência decorrente da relação de autoridade é a inerente ao vínculo de poder de uma pessoa sob a outra, quer a potestas, seja de direito público, quer de direito privado”.

2.2 Sujeito passivo: pessoa incapacitada para enfrentar sozinha os riscos do abandono; quem não tem condições físicas ou psíquicas de cuidar de si. Não é incapacidade civil, mas aquela decorrente da menoridade ou de outras circunstâncias que inabilitem a vítima, total ou parcialmente, temporária ou permanentemente, para defender-se, sozinha, do estado de abandono, tais como menores, doentes físicos e mentais, velhos, ébrios, entre outros. Eventual consentimento da vítima não exclui antijuridicidade ou culpabilidade, pois a vida e a saúde são indisponíveis.

2.3 Tipo objetivo (ação física): abandonar, descuidar, largar ou desassistir. Geralmente, é conduta omissiva (deixar de prestar cuidados indispensáveis), mas admite forma comissiva, como ocorre se a vítima é levada para local determinado para então ser colocada em situação de risco. É crime de perigo concreto.

2.4 Tipo subjetivo: dolo, vontade de abandonar a vítima, ciente do risco do abandono, consciente de que é responsável pela sua segurança. Não há crime se ficar à distância, observando o abandonado, e zelando para que o perigo não acarrete probabilidade de dano. Caso deseje a morte ou lesão, haverá homicídio tentado, lesões corporais ou, eventualmente, infanticídio.

2.5 Formas qualificadas: se resulta lesão corporal grave ou morte (§§ 1º e 2º). Se há dolo de dano, configura-se lesão corporal grave ou homicídio. A pena é agravada em 1/3, se há abandono em local ermo ou quando praticado contra ascendente, descendente, cônjuge, irmão, tutelado ou curatelado (§ 3º, Inciso I e II).

Conflito aparente de normas. 1) há omissão de socorro (art. 135) quando inexistir relação de dependência; 2) ocorre o abandono de recém-nascido (art. 134) se o motivo do abandono for o de ocultar desonra própria; 3) cogita-se de homicídio ou lesões corporais, consumados ou tentados, se estiverem presentes o animus necandi ou nocendi; 4) Distingue-se, ainda, do crime de abandono material, (art. 244), porque, neste tipo, não se exige perigo para a vida ou a saúde da vítima.


EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO
“art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria. Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Conceito. Constitui forma privilegiada em relação ao tipo do art. 133. É o assassinato do filho pela própria mão durante o parto ou logo após.

Objetividade jurídica. A incolumidade pessoal e segurança do recém-nascido.

Sujeito Ativo. Trata-se de crime próprio, pois só quem é mãe pode cometê-lo (na gravidez extramatrimonial, adulterina ou incestuosa) ou o pai (no caso de filho adulterino ou incestuoso). Essa posição é controvertida. Contra: Euclides Custódio da Silveira, Celso Delmanto; A favor: Mirabete e Damásio de Jesus.

A prostituta pode ser sujeito ativo do crime de abandono de recém-nascido?
NÃO, porque, pela sua qualidade, o nascimento de um filho não acarreta qualquer constrangimento; não tem caráter desonroso.

Sujeito Passivo. O recém nascido, mas há controvérsia sobre o limite de tempo para o fim de considerar recém-nascido. Para Hungria, “o limite de tempo da noção de recém nascido é o momento em que a délivrance se torna conhecida de outrem, fora do círculo da família”. Magalhães Noronha opina com a expressão ”poucos dias”. Flamínio Fávero, 7 dias; Fragoso, 30 dias; Mirabete e Damásio, até a queda do cordão umbilical.

Tipo objetivo: expor é remover a vítima para local diverso daquele onde é assistido (Damásio); abandonar é omitir-se na prestação de assistência; para alguns, como Delmanto, são expressões sinônimas; para Noronha é redundância; Mirabete afirma que o legislador procurou apenas evitar dúvidas. Trata-se de crime de perigo concreto, exigindo demonstração de que a vítima ficou exposta a um perigo plausível, capaz de comprometer a saúde ou a vida, por lapso de tempo considerável.

Formas qualificadas Þ são aquelas das quais decorre a morte ou lesão grave do recém-nascido(§§ 1º e 2º).

Tipo subjetivo: Vontade de expor ou abandonar recém-nascido, ciente da obrigação de garante e do perigo à sobrevivência da vítima. É dolo direto e específico, onde o fim especial (elemento normativo da conduta) da ação é ocultar desonra própria. No concurso de terceiro, há co-autoria ou participação, pois as circunstâncias elementares do tipo são comunicáveis.

Consumação e tentativa: A consumação ocorre no momento do abandono, ou seja, quando a vítima fica exposta ao perigo. É crime instantâneo, que admite tentativa na forma comissiva.

Conflito aparente de normas: homicídio e infanticídio: o primeiro exige o dolo de dano enquanto no abandono o dolo é de perigo. Inexistindo o elemento subjetivo do injusto (ocultação da desonra própria), não havendo relação de parentes (pai/mãe) ou não sendo recém-nascido, há abandono de incapaz. Também não se confunde com crimes contra a assistência familiar (art. 244 e 247), onde o abandono é moral, e não físico.

OMISSÃO DE SOCORRO

“Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, socorro à autoridade competente. Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa”.

Conceito. Trata-se da obrigação moral de amparo e proteção aos mais fracos erigida à condição de dever legal. Na tipificação, estão previstas duas condutas: deixar de prestar assistência e não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.

Objetividade Jurídica Þ Vida e incolumidade física do indivíduo, mediante tutela da sua segurança.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa, existindo ou não vínculo jurídico anterior entre os sujeitos. Se há essa vinculação, configura-se um dos tipos anteriores. Normalmente, há proximidade entre autor e vítima, mas pode ocorrer a omissão se o agente estiver distante da vítima (médico que toma conhecimento de pessoa ferida, necessitando de cuidados, mas não presta assistência). O autor não pode ser responsável pela situação de perigo. Não comete o crime quem fere alguém, seja culposamente ou com animus necandi ou laedendi, deixando-o privado de socorro. No caso, responderá por lesão corporal ou homicídio, doloso ou culposo (aqui, a omissão qualificada o delito - art. 121, § 4º e 129, § 7º).

Sujeito passivo:
a) criança abandonada ou extraviada: é a vítima das figuras precedentes ou a criança que se perdeu dos pais ou responsáveis;
b) pessoa inválida: quem por motivo de doença, deficiência, senilidade, embriaguez, etc., não tem forças para conjurar o perigo.
c) pessoa ferida: alguém lesionado, física ou psiquicamente, mesmo sem gravidade.

A vítima deve estar desamparada, incapacitada para valer-se a si mesma, necessitando de auxílio, sendo irrelevante seu consentimento.

Tipo objetivo: É crime omissivo puro, realizável por duas condutas:
1) deixar de prestar assistência, quando seja possível fazê-lo sem risco pessoal. O dever de assistência é limitado pela possibilidade e capacidade do sujeito ativo, apuráveis caso a caso;
2) não pedir socorro à autoridade pública. O agente não escolhe entre prestar socorro ou pedir auxílio: essas condutas são ditadas pelas circunstâncias. O pedido de socorro (ao delegado de polícia, pronto-socorro, corpo de bombeiros, etc.) só é admitido quando o agente, por si próprio, não tem condições de prestar socorro, por estar acima de sua capacidade.

Não se exige ao sujeito arriscar sua vida ou integridade pessoal, podendo eventualmente configurar-se o estado de necessidade. É comum, nos delitos automobilísticos, alegar temor de linchamento como justificativa da omissão. Isso deve ser demonstrado e provado em cada caso. Se várias pessoas estiverem em condições socorrer, a ação de uma desobriga as demais.
Elemento subjetivo: dolo de perigo, direto ou indireto (eventual). Implícito o elemento subjetivo do tipo: intenção de omitir-se, tendo consciência do perigo a que expõe p sujeito passivo pela omissão.
Consumação e tentativa: consuma-se no momento em que o agente deixou de agir quando devia, diante da situação de perigo para a vítima e das condições que permitiriam o socorro sem risco pessoal. A consumação é instantânea. O retorno do agente ao local, prestando o socorro exigido pela situação de perigo não elide a tipicidade. Sendo crime omissivo puro, não cabe tentativa.

Formas qualificadas. Nos termos do parágrafo único, “a pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta morte”.Para que a pena seja agravada, é necessário demonstrar que o resultado não ocorreria e o agente tivesse prestado o socorro. Evidenciado que tal resultado ocorreria independentemente da diligência empregada pelo autor, não se aplica a qualificadora. Discutível a omissão quando a vítima falece instantaneamente após o atropelamento.

Confronto e distinção. Havendo dever jurídico do agente em cuidar da vítima, poderá ocorrer outro crime, v.g. o homicídio, lesões corporais culposas, abandono de incapaz, etc.


MAUS TRATOS

“Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para o fim de educação, ensino tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena – detenção, de 02 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1º. Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 2º. Se resulta morte:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
§3º. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos.

Conceito: trata-se de delito de ação múltipla, pois de várias maneiras pode ser cometido: privação de alimentos ou de cuidados, sujeição a trabalho excessivo ou abuso dos meios de correção e disciplina. Algumas dessas formas não prescindem de habitualidade para sua configuração.

Objetividade Jurídica. Tal como nos artigos precedentes, tutela-se a incolumidade física da pessoa humana (vida e saúde), que não pode ser exposta ao perigo. O ECA criou duas figuras penais muito parecidas, além de criar a figura qualificada do § 3º. (arts. 232 e 233, da Lei 8.069 –ECA).

Sujeito Ativo. Trata-se de crime próprio, que só pode ser cometido por parte de quem tenha autoridade, guarda ou vigilância sobre a vítima. É mister a existência de prévia relação jurídica de natureza subordinante entre agente e vítima, podendo essa relação ser natureza civil ou administrativa. Exs. Pais, tutores, curadores, professores, patrões enfermeiras, carcereiros, etc. Essa subordinação deve estar ligada a atividades educativas, tratamento ou custódia.
Sujeito Passivo. Quem está sob autoridade, guarda ou vigilância do autor: filhos, pupilos ou curatelados, discípulos, empregados, enfermos, presos, etc. Exclui-se a mulher. A vítima estará subordinada ao agente para fins de educação (atividade docente para aperfeiçoar a capacidade individual), ensino (no sentido restrito do termo, ou seja, educação básica), tratamento (cuidados médicos ou responsabilidade pela subsistência da vítima) ou custódia (detenção física da vítima, autorizada na lei).

Tipo objetivo. Crime de ação múltipla, admitindo várias formas de cometimento. Maus tratos são condutas que expõem a vida e a saúde da vítima através de uma das formas previstas no tipo, a saber:
a) privação de alimentos ou cuidados indispensáveis. Exige reiteração de conduta;
b) sujeição à trabalho excessivo ou inadequado;
c) abuso dos meios de correção ou disciplina

Tipo Subjetivo. Exclusivamente doloso, exige a vontade deliberada e consciente de praticar qualquer uma das ações descritas no tipo. Não há vontade de lesionar, mas apenas o dolo de perigo, consubstanciado na consciência do agente de estar expondo sua vítima à probabilidade concreta de um dano físico ou psicológico.

Consumação e Tentativa. Consuma-se o crime quando presente a situação de perigo. Trata-se de perigo concreto, que deve ser aferido em cada caso. Algumas modalidades exigem reiteração de conduta; outras, basta uma só ação para configurar o crime. Admite-se a tentativa nas formas comissivas.

Excludente de criminalidade. Estado de necessidade: a jurisprudência tem admitido a exclusão de crime quando os pais humildes necessitam trabalhar, deixando filhos amarrados ou presos dentro de casa.

Formas Qualificadas. §§ 1º e 2º.

Causa especial de aumento § 3º.

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