domingo, 9 de setembro de 2007

Lesões Corporais

Apostilas de Direito Penal III
UNIDADE III – Das Lesões Corporais


Justificativa e importância do tema

Iniciaremos doravante o estudo das lesões corporais, tipificadas no ar art. 129, do Código Penal. Talvez fosse até desnecessário destacar a importância destes tema. As diversas formas de lesões corporais e seus múltiplos desdobramentos despertam vivo interesse. Não raro, nos julgamentos do Tribunal do Júri, a defesa se esforça para convencer os jurados de que não houve animus necandi na conduta de que resultou a morte, pretendendo a desclassificado da conduta para o tipo lesão seguida de morte (art. 129, § 3°).
Num dos julgamentos mais polêmicos da justiça brasileira, o chamado Caso Pataxó, jovens bem nascidos da sociedade brasiliense protagonizaram uma tragédia que transcendeu os limites da capital e alcançou ressonância no mundo inteiro, transpondo as fronteiras. Eles atearam fogo em um índio da tribo Pataxó adormecido em uma parada de ônibus, alegando depois que o fizeram “por brincadeira”, pensado tratar-se de um mendigo. Queriam divertir-se com a reação do pobre coitado ao despertar com as chamas.
O que esses jovens pensavam no justo momento daquela ação tresloucada? Previram a probabilidade da morte? Concordaram com esse resultado ou deram os ombros, aceitando-o passivamente? Queriam efetivamente o resultado letal ou este resultado, embora perfeitamente previsível, não era desejado nem aceito? Houve dolo eventual de homicídio ou culpa consciente?
A busca de respostas estimulou acendrados debates sem encontrar consenso. A Juíza Presidente do Tribunal do Júri de Brasília, Sandra de Sanctis, hoje desembargadora, afrontou a opinião pública ao proferir a sentença de pronúncia, desclassificando o delito de homicídio para lesão seguida de morte, também conhecido na doutrina como homicídio preterdoloso. A polêmica decisão dividiu juristas de nomeada, que se posicionaram contra ou a favor, na defesa apaixonada de suas teses. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal confirmou a sentença de primeiro grau, à unanimidade. O Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, reformou a decisão, mantendo a classificação da denúncia, de homicídio triplamente qualificado: 1) motivo torpe, porque os denunciados teriam agido para se divertir com a cena de um ser humano em chamas; (2) o meio cruel, em virtude de ter sido a morte provocada por fogo; e (3) o uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, atacada enquanto dormia. Com isso, os jovens foram submetidos a julgamento no Tribunal do Júri e efetivamente condenados. Atualmente, cumprem livramento condicional e até hoje se questiona o tratamento que receberam durante o encarceramento, considerado por muito como privilegiado.
Entender os motivos da celeuma, buscando compreender o tipo legal inserto no art. 129 é o desafio que lança doravante. Portanto, o tema desta Unidade III – Das Lesões Corporais, certamente merece atenção, por todos os seus desdobramentos jurídicos, morais e éticos.

OBJETIVOS GERAIS:

Capacitar o aluno para conhecer, comparar, analisar, sintetizar e avaliar o artigos 129, do Código Penal, decompondo-os em seus elementos objetivos e subjetivos, de molde a possibilitar sua perfeita adequação a casos concretos, distinguindo-o de outras formas ensejadoras de conflito aparente de normas.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

2.1.- Levar o aluno a conhecer, compreender, aplicar, analisar, sintetizar e avaliar o crime de lesão corporal e suas formas qualificadas, conceituando-os e identificando: objeto jurídico e material, sujeitos do delito, elemento objetivo (ação física), elemento subjetivo, consumação e tentativa, espécies privilegiadas e qualificadas, excludentes de criminalidade, etc. Distingui-lo especialmente em relação ao homicídio.
2.2.- Desenvolver o pensamento crítico em relação ao tipo penal, capacitando o aluno para o debate nos planos ético e jurídico.

PROCEDIMENTOS E METODOLOGIA:

Aula expositiva, com uso de transparência, quadro negro e giz. Material de apoio: apostilas, exercícios, Código Penal anotado ou comentado e livros de doutrina.

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Das lesões corporais:

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.

Conceito: o melhor conceito está expresso na Exposição de Motivos do Código Penal: “qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental”.
A lei não tutela apenas a higidez física do corpo mas também a saúde mental, verificando-se a lesão corporal quando se produz qualquer distúrbio, permanente ou efêmero, capaz de afetar as atividades físicas, intelectivas, volitivas ou sentimentais do indivíduo. Traduz-se por ofensas de (a) natureza anatômica, tais como ruptura de tecidos, equimoses, edemas e fratura de ossos; (b) de natureza fisiológica, como distúrbios das funções orgânicas (função cardiológica, respiratória, renal, reprodutiva, excretora e outras) do corpo humano; ou, ainda, (c) de natureza psíquica, com afetação da higidez mental capaz de provocar abalos sensíveis de aspecto emocional ou sentimental.

Objetividade Jurídica --- Incolumidade física ou psíquica do ser humano.
Mens sana in corpore sano – Mente sã num corpo são
Sujeito ativo: trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa contra outra, sendo sujeito passivo: qualquer pessoa diversa do próprio agente. A autolesão, em princípio, é impunível, mas pode configurar outros crimes, tais como fraude para recebimento de seguro (art. 171, § 2º, V, CP) ou criação e simulação de incapacidade objetivando esquivar-se da incorporação militar obrigatória (art. 184, do CPM).
O consentimento da vítima não afasta o crime, já que a saúde constitui bem jurídico indisponível. Contudo, o Estado, em situações especiais, tolera a ofensa à integridade física dos seus cidadãos em atividades não atentatórias à segurança social ou capazes de gerar conflitos indesejáveis. Permite-se que a vítima possa dispor da integridade física, ao consentir no tratamento médico-cirúrgico, nas lutas de boxe e outras modalidades esportivas onde há contato físico, na transfusão de sangue e de órgãos, entre outras.
No caso de tratamento médico cirúrgico, parte da doutrina considera que não há crime na conduta do cirurgião por não haver prejuízo, mas melhoria, à saúde; para outros, a cirurgia consentida constitui exercício regular de um direito, configurando estado de necessidade as situações de emergência, em que o médico tem o dever jurídico de afastar o risco à saúde, até mesmo contra a vontade expressa do paciente, como, por exemplo, na transfusão de sangue da testemunha de Jeová. Para alguns, a cirurgia para mudança de sexo é crime, mas a doutrina mais moderna a admite, quando precedida de avaliação clínica e psicológica, como imperativo da dignidade humana. Em alguns países ele é abertamente permitida, tais como Alemanha, Inglaterra, Suíça, Dinamarca, Suécia, França e Estados Unidos.
Em Brasília, a Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Direitos de Usuários do Sistema de Saúde (PRÓ-VIDA) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) tem autorizado médicos do Hospital Regional da Asa Norte a realizarem cirurgias que implicam a mudança de sexo em alguns casos. O procedimento é precedido de apuração em processo administrativo instaurado a partir do pedido do interessado, onde uma equipe de médicos e psicólogos e psiquiatras realizam perícia médica para comprovar o fenômeno do hermafroditismo, examinando os aspectos físicos e psicológicos do indivíduo que recomendem ou não a cirurgia. Tal procedimento, assim como a autorização para retirada de fetos anencefálicos não está isento de críticas, uma vez que, na dogmática jurídica, o aborto legal só é admitido
Vale ressaltar que a Lei 9.434, de 04.12.97 e seu regulamento (Decreto 2.268, de 30.06.97) regulam a retirada de órgãos e tecidos para fins de transplante e tratamento entre pessoas vivas ou post mortem, no caso de doação de órgãos.
Comete crime quem que induz ou instiga uma criança, louco ou bêbado a praticar autolesão; o mesmo se diga quando a vítima se lesiona fugindo de agressão.

Tipo subjetivo (ação física). O núcleo do tipo é “ofender a integridade física de outrem”, ou seja, praticar uma conduta capaz de provocar danos de natureza anatômica, fisiológica ou psíquica na vítima. Vale dizer, lesão física interna ou externa, como ruptura de tecidos, sangramento, equimoses, fraturas, edemas e outras lesões visíveis no corpo da vítima. O dano também pode ser de natureza psíquica ou mental, ocasionando distúrbios emocionais graves, pânico, terror moral e outros. Adotando o princípio da insignificância a jurisprudência às vezes deixa de punir quando as lesões são mínimas ou resultantes de disputas familiares entre marido e mulher, irmãos, pais e filhos ou entre vizinhos, especialmente se acontece a reconciliação. Mais recentemente, a chamada a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 07/08/2006) tornou mais rigorosa a punição nos casos de violência doméstica, criando um procedimento especial onde estão previstas medidas cautelares de urgência para proteção da integridade física e moral da mulher agredida no âmbito familiar.
A ofensa à integridade corpórea pode se efetivar mediante violência física (vis física ou vis corporalis) como socos, pernadas e golpes com objetos, facas ou disparo de arma de fogo, ou violência moral (vis compulsiva,) mediante ameaça, susto, terror. Admite-se a forma omissiva quando presente o dever jurídico de impedir a lesão, como no caso de pais que deixam de alimentar o filho ou não cuidam quando ele adoece, enfermeira que não ministra medicamento ao paciente e do carcereiro que não cuida do preso doente. Distingue-se das vias de fato entrevero verbal com empurrões, sacudidelas, safanões. A bofetada no rosto via de regra configura a injúria real.

Elemento subjetivo. O dolo (Animus laedendi ou nocendi) se consubstancia na vontade livre e consciente de causar dano ao corpo ou a saúde de outrem, diferenciando-se da tentativa de homicídio, que é dirigida para o resultado morte. É mister a voluntariedade da ação e a finalidade de causar o dano, não se caracterizando, por exemplo, na ação de abraçar fortemente um amigo, sem saber que tem uma ferida que vem a abrir-se.
A vontade de lesionar o corpo ou a saúde de outrem é o elemento distintivo entre o art. 129 e outros tipos onde pode haver, igualmente, ofensa à integridade física, tais como ocorre nos crimes de perigo individual, especialmente maus tratos (art. 136), e no exercício arbitrário das próprias razões (art. 345).
A ação cometida no intuito de lesionar pode causar danos cuja extensão e intensidade normalmente não estão delineadas com exatidão na consciência e vontade do sujeito ativo. Não há como dosar a força e o local do corpo humano e a ser atingido para provocar esta ou aquela lesão previamente intencionada. A lei não distinguiu um tipo específico de lesão corporal preterdolosa, isto é, quando agente provoca uma lesão mais grave do que pretendia. As lesões mais ou menos grave são punidas de acordo com o resultado concreto em cada caso, havendo apenas a intenção genérica de causar dano. Quanto mais grave a lesão, mais elevada é a pena correspondente. Considera-se o resultado como lesão leve, grave ou gravíssima.

Consumação e tentativa. A consumação ocorre quando há lesão efetiva à integridade física ou psíquica da vítima. Quanto à possibilidade de tentativa, prevalece o entendimento de que é possível, já que se trata de delito material, mas, persistindo a dúvida, o réu sempre sairá beneficiado.

Classificação. As lesões corporais podem ser classificadas da seguinte forma:
Graves (§1°): I) Incapac. + 30 d; II) per. vida; III) debil. de memb. sent. ou funçao;IV) acel.parto – reclusão, 1 a 5 anos
Gravíssimas (§2°):I) Inc. perm. trab; II) enferm.inc.; III) perda/ inut. memb. sent. funç;IV) deform. perm; V) aborto – recl. 2 a 8 anos
CLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES CORPORAIS DOLOSAS, SEGUNDO SUA GRAVIDADE
Leves (caput). Pena: detenção, 3 meses a 1 ano. Rito da Lei 9.099/95 (representação da vítima)
Seguida de morte (§3°): se resulta morte e as circunstâncias indicam que o agente não quis o result. nem assumiu o risco. Reclusão 4 a 12
Segundo o art. 19, o agente só responde pelo resultado mais grave quando podia razoavelmente prevê-lo, inexistindo responsabilidade penal puramente objetiva (teoria causal) pela simples ocorrência do evento mais grave.


Incapacidade para o exercício de ocupação habitual. Por ocupação habitual entende-se a atividade rotineira do indivíduo, não apenas de natureza econômica. Não se excluem, assim, a criança e o ancião, que, normalmente, não exercem atividades lucrativas. Considera-se tanto a incapacidade psíquica quanto física, que deve ser parcial e temporária, no máximo 30 dias.

Perigo de vida. Decorre da intensidade e sede da lesão, acarretando risco à sobrevivência da vítima, o que é aferido mediante perícia médica.

Debilidade permanente de membro, sentido ou função. Trata-se da redução da capacidade operacional dos membros superiores (braços, antebraços e mãos) ou inferiores (coxas, pernas e pés), perda parcial da capacidade sensitiva (olfato, paladar, tato, visão e audição) ou, ainda, diminuição da capacidade das funções orgânicas (respiração, circulação, digestão, secreção, locomoção, reprodução e sensibilidade tátil). Tratando-se de órgãos duplos (olhos, pulmões, ouvidos, rins, testículos) a perda de um deles acarreta debilidade da função correspondente e não sua perda, que configura lesão gravíssima (inciso III, do § 2º).

Aceleração de parto. Implica a antecipação do nascimento em decorrência da lesão, resultando em parto prematuro. É necessária a sobrevivência do bebê, pois, se falece devido à formação incompleta dos tecidos, há aborto, e, consequentemente, lesão gravíssima (Inciso V, do § 2º).

Incapacidade permanente para o trabalho. Pressupõe o exercício de profissão, arte, ofício ou outra atividade rentável, excluindo, pois, a criança e o ancião. A prova é feita de acordo com a evolução do caso, constatada mediante exames médicos complementares.

Doença incurável. A lesão acarreta patologia de cura impossível pela ciência médica.

Perda ou inutilização de membro, sentido ou função. Ocorre por mutilação ou amputação. No primeiro caso o membro permanece ligado ao corpo, mas inoperante, sem poder realizar sua função normal.

Deformidade permanente. Lesão de natureza estética que acarreta severo constrangimento, desconforto ou desgosto à vítima, sem atingir necessariamente a horripilância ou aleijão grotesco. O dano, normalmente visível ou de grande extensão, deve também ser indelével ou irreparável, atentando-se para as condições pessoais da vítima (sexo, idade, condição social, etc.). Circunstâncias de caráter pessoal podem alterar o sentido do dano estético.

Aborto. Dispensa maiores comentários, mas é importante fazer a distinção com o delito do art. 127, 1ª parte, que inverte as situações: no art. 129, inciso V, do § 2º, a lesão é o fim visado pelo agente e não o aborto; naquele, o aborto é fim visado, e não a lesão. Há, portanto, o preterdolo.

Lesão corporal seguida de morte. No art. 129, § 3°, do Código Penal se encontra o homicídio preterdoloso ou preterintencional ou lesão seguida de morte. Neste caso, o agente visa ofender a integridade física da vítima mas o resultado vai além do seu intento. As circunstâncias apuradas devem evidenciar que ele não quis a morte nem assumiu o risco de produzi-la e pena, a título de lesão corporal, é de 4 a 12 anos de reclusão, não chegando à pena equivalente à do homicídio. Há, aqui, uma figura mista, em que se misturam o dolo e a culpa, manifestando-se aquele no fato antecedente (lesão corporal) e esta no fato conseqüente (morte). Embora o resultado não estivesse predeterminando na vontade do agente, foi causado pela sua conduta, estando presente o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado mais grave, razão da maior severidade da pena.

Lesão corporal privilegiada. Trata-se da hipótese prevista no § 4º: “se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”. Encontra correspondência no homicídio privilegiado, sendo aplicável em qualquer das hipóteses do art. 129, §§ 1º, 2º e 3º (lesões leves, graves, gravíssimas ou seguidas de morte).

Susbtituição de pena: segundo o § 5º do art. 129, sendo leves as lesões, pode o juiz substituir a detenção por multa se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo anterior ou se as lesões são recíprocas.

Lesões corporais culposas. A lei penal prevê punição das lesões corporais causadas por imprudência, negligência ou imperícia, com pena de detenção, de 2 meses a 1 ano,valendo os mesmos ensinamentos relativos ao homicídio culposo, inclusive no tocante ao perdão judicial, previsto no § 8º, que remete à regra do § 5º, do art. 121.

Lesão corporal qualificada (causa especial de aumento de pena). Tannto na lesão dolosa quanto na culposa, incide a causa especial de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º: na lesão culposa, aumenta-se um 1/3 se há na inobservância de regra técnica de profissão arte ou ofício, se o agente deixa de prestar socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências de seu ato ou foge para evitar o flagrante; na lesão dolosa incide o mesmo acréscimo se a vítima é menor de 14 anos.

Violência doméstica (Lei Maria da Penha.
§ 9º. “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de 1/3 (um terço) se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.

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