domingo, 9 de setembro de 2007

Caso Patachó Acórdão

RECURSO ESPECIAL N° 192.049 - DISTRITO FEDERAL

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

RECORRIDOS: ERON CHAVES OLIVEIRA (preso)
TOMAS OLIVEIRA DE ALMEIDA
ANTÔNIO NOVÉLY CARDOSO DE VILANOVA (preso)
MAX ROGÉRIO ALVES (preso)

RELATÓRIO:

O SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Os ora recorridos, ERON CHAVES OLIVEIRA, TOMAS OLIVEIRA DE ALMEIDA, ANTÔNIO NOVÉLY CARDOSO DE VILANOVA e MAX ROGÉRIO ALVES, foram denunciados por infração ao disposto no art., 121, § 2°, I, III e IV, do código Penal, art. 1° da Lei N° 2.252/54 e art. 1° da Lei n° 8.072/90 porque, na companhia do menor GUTEMBERG NADER ALMEIDA JÚNIOR, então com 16 (dezesseis) anos de idade, na madrugada de 20 de abril de 1997, teriam jogado substância inflamável e ateado fogo em GALDINO JESUS DOS SANTOS, índio PATAXÓ, causando-lhe a morte.

A MM. Juíza de Direito do Tribunal do Júri de Brasília, Distrito Federal, assim delineou a quaestio, às fls. 571/577, in verbis:

"Narra a inicial da acusação que, ao amanhecer, o grupo passou pela parada de ônibus onde dormia a vítima. Deliberaram atear-lhe fogo, para o que adquiriram dois litros de combustível em um posto de abastecimento. Retornaram ao local e enquanto Eron e Gutemberg despejavam líquido inflamável sobre a vitima, os demais atearam fogo, evadindo-se a seguir.

Três qualificadoras foram descritas na denúncia: o motivo torpe porque os denunciados teriam agido para se divertir com a cena de um ser humano em chamas, o meio cruel, em virtude de ter sido a morte provocada por fogo e o uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, que foi atacada enquanto dormia.

A inicial, que foi recebida por despacho de 28 de abril de 1997, veio acompanhada do inquérito policial instaurado na 1" Delegacia Policial. Do caderno informativo constam, de relevantes, o auto de prisão em flagrante de fls. 08/22, os boletins de vida pregressa às fls. 43 a 45 e o relatório final de fls. 131/134. Posteriormente vieram aos autos o laudo cadavérico de fls. 146 e seguintes, o laudo de exame de local e de veiculo de fls. 172/185, o exame em substância combustível de fls. 186/191, o termo de restituição de fls. 247 e a continuação do laudo cadavérico, que está a fls. 539.
O Ministério Público requereu a prisão preventiva dos indiciados. A prisão em flagrante foi relaxada, não configurada a hipótese de quase flagrância, por não ler havido perseguição, tendo sido os réus localizados em virtude de diligências policiais. Na mesma oportunidade foi decretada a segregação preventiva dos acusados, com fundamento na necessidade de salvaguardar a ordem pública, evitar o descrédito do Poder Judiciário, para que a liberdade não servisse de incentivo a práticas similares. Além da garantia da ordem pública, a prisão foi decretada por conveniência da instrução criminal, para assegurar a integridade física dos réus e de seus familiares e para salvaguardar a aplicação da lei penal, porquanto tão logo praticado o crime os réus evadiram-se do local, demonstrando que pretendiam furtar-se a eventual condenação.

o MM. Juiz Federal da 10a. Vara oficiou noticiando ter prolatado decisão filmando a respectiva competência para apreciar e julgar os autos da ação penal. Suscitado conflito de competência, o processo ficou paralisado. Julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, foi declarado competente o Juízo de Direito da Vara do Tribunal do Júri.

O genitor da vítima foi admitido como assistente do Ministério Público, conforme despacho de fls. 286.

Os réus foram interrogados. Max Rogério afirmou que, ao avistarem a vítima no ponto de ônibus, tiveram a idéia de “pregar um susto para ver a vítima correr". Adquiriram álcool combustível, que foi parcialmente despejado sobre a pessoa que dormia, sendo ateado o fogo. Asseverou que ficaram assustados e saíram do local, tendo em vista a aproximação de um veículo, embora tivessem cogitado ajudar a vítima. Alegou ter consciência de que o álcool combustível é substância altamente inflamável mas que não esperavam que o fogo "tomasse a proporção que tomou" (fls. 292/294).

Antônio Novély Cardoso de Vilanova argumentou que resolveram dar um susto na vítima, que a brincadeira seria com uso de álcool e fósforos. Mencionou a ida ao posto de abastecimento para aquisição do combustível, que não seria utilizado por inteiro, razão pela qual Eron despejou o conteúdo de um dos litros em um gramado situado próximo à parada de ônibus. Assevera que enquanto Eron deixava cair o combustível sobre a vítima, um dos autores riscou precipitadamente o fósforo, momento em que as labaredas subiram na direção de Eron que assustou-se e jogou o vasilhame no chão. Narrou que entre os acusados houve o comentário de que "a vítima pegou fogo demais". Mencionou ter consciência de ser o álcool combustível substância altamente inflamável mas alegou que sua intenção, como a dos demais, era somente derramar o líquido sobre a vítima, a fim de dar-lhe um susto para vê-la correr, sendo que em momento algum lhe passou pela cabeça que a vítima poderia morrer, como também ficar lesionada. Assegurou que a intenção era só dar um susto na vítima.

Tomás Oliveira de Almeida, interrogado em Juízo, também relatou que ao ser avistada a vítima surgiu a idéia de atear-lhe fogo para que esta corresse. Confirmou que adquiriram os dois litros de álcool combustível e que, após darem mais algumas voltas, dirigiram-se ao local do crime onde decidiram esvaziar um dos vasilhames, pois entenderam que não haveria necessidade de utilização dos dois litros de álcool. Afirmou ter sido Eron quem despejou o liquido na vitima e que, ao riscarem os fósforos, a labareda foi em direção à garrafa que estava nas mãos de Eron, que a soltou, tendo todos saído do local. Afirmou também ter consciência de que o álcool combustível é substância altamente inflamável mas que em nenhum momento lhe passou pela cabeça que o fogo "pegasse com rapidez e queimasse toda a vítima”.

O acusado Eron, ao ser ouvido, informou que todos assentiram na idéia de atear fogo à pessoa que estava no abrigo, para o que adquiriram álcool combustível. Alegou que todos imaginaram que a vítima fosse acordar e correr atrás do grupo para agredi-los. Argumentou ter derramado o conteúdo de um dos vasilhames no gramado e que estava jogando o líquido nos pés da vítima quando iniciou o fogo "que subiu de baixo para cima", vindo em direção às suas mãos. Asseverou ter largado o vasilhame, saindo do local às pressas.

Todos os réus apresentaram as defesas prévias, que estão a fls. 337/379, requerendo a realização de diligências. Algumas delas foram deferidas, não o sendo a instauração de incidente de insanidade mental, além da oitiva de testemunha que não constava do rol apresentado com as alegações preliminares.

Na fase instrutória foram ouvirias nove testemunhas arroladas pela acusação e trinta e uma pelas defesas, conforme assentadas e termos de audiência de fls. 390/409, 434/454 e 470/474.

A fls. 485 está carta precatória expedida para depoimento de testemunha de defesa residente em Pau Brasil - Bahia.

Na oportunidade do artigo 406 do Código de Processo Penal, o Ministério Público e as defesas apresentaram alegações finais. A Promotora de Justiça, por entender presentes os requisitos necessários à pronúncia, manifestou-se pelo julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri, mantidas as qualificadoras e a imputação de corrupção do menor. Asseverou que, "se não tinham os agentes do crime manifesta intenção de causar a morte da vitima, no mínimo assumiram o risco de provocar o resultado lamentavelmente advindo. A pretendida desclassificação, se fosse o caso, só poderia ser feita pelo conselho de Sentença, após os debates em Plenário de Júri." (alegações de fls. 512 e seguintes - grifos no original) '

A assistência da acusação ratificou as razões finais do Ministério Público.

A defesa de Eron e Tomás pugnou pela desclassificação do ilícito, argumentando que a prova produzida leva à inconteste conclusão de que os defendentes, ao realizarem as condutas, não previram o resultado morte e sim a lesão corporal, ocorrendo crime preterdoloso. Pretende o afastamento das qualificadoras, caso pronunciados os réus e a impronúncia em relação ao crime previsto no artigo 1° da Lei 2252/54.

Na mesma linha, a defesa do réu Max Rogério. Nas alegações, que tecem comentários à personalidade do acusado, diante das informações obtidas quando da oitiva das testemunhas de defesa, pretende também a revogação da prisão preventiva. "

Nas alegações finais apresentadas, a defesa de Antônio Novély rechaça os argumentos do Ministério Público e argumenta que o dolo do agente, ainda que eventual, deve ser provado e não presumido. Pretende a desclassificação para o ilícito previsto no artigo 129, § 3°, do Código Penal ou no artigo 121, § 3°, do mesmo Codex e a impronúncia em relação ao crime descrito no artigo 1° da Lei 2252/54."

Sentenciando, a MM" Juíza Presidente do Tribunal do Júri desclassificou a imputação de homicídio doloso para a de lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3°, do Código Penal), declinando da competência para uma das Varas Criminais. Para tanto, asseverou: "Assim, analisada como um todo, a prova dos autos demonstra a ocorrência do crime preterintencional e não do homicídio. A ação inicial dos réus, sem qualquer dúvida, foi dolosa. Não há como afastar a conclusão de que, ao atearem fogo na vítima para assustá-la, sabiam que iriam feri-la. O resultado morte, entretanto, que lhes escapou à vontade, a eles só pode ser atribuído pela previsibilidade. Qualquer infante sabe dos perigos de mexer com fogo. E também sabe que o fogo queima, ainda mais álcool combustível, líquido altamente inflamável. Os réus também têm este conhecimento. Entretanto, mesmo sabendo perfeitamente das possíveis e até mesmo prováveis conseqüências do ato impensado, não está presente o dolo eventual. Uma frase constante do depoimento de Max, no auto de prisão em flagrante, sintetiza o que realmente ocorreu. Está a fls. 15: "pegou fogo demais, a gente não queria tanto." Como já enfocado, assumir o risco não se confunde, em hipótese alguma, com previsibilidade do resultado. Assumir o risco é mais, é assentir no resultado, é querer ou aceitar a respectiva concretização. É necessário que o agente tenha a vontade e não apenas a consciência de correr o risco. E o "ter a vontade" é elemento subjetivo que está totalmente afastado pela prova dos autos, que demonstrou à saciedade que os acusados pretendiam fazer uma brincadeira selvagem, ateando fogo naquele que presumiram ser um mendigo, mas nunca anuíram o resultado morte. Tem razão o Ministério Público quando afirma que "não se brinca com tamanha dor nem de um animal, quanto mais de um desprotegido ser humano." Acrescento que a reprovabilidade da conduta mais se avulta quando estreme de dúvidas que os acusados tiveram muitas e variadas oportunidades de desistir da selvagem diversão. Por outro lado, agiram de forma censurável pois, após avistarem a vítima no ponto de ônibus da EQS 703/704 Sul, deslocaram-se a um posto de abastecimento distante do local, nas quadras 400, para adquirir o combustível, dizendo que o faziam porque havia um carro parado por falta de combustível. O acusado Antônio Novély, no interrogatório, asseverou:
"... que o interrogado não se recorda de quem partiu a idéia de dar o susto na vítima, sabendo dizer que todos concordaram com a idéia; ... que em seguida alguém teve a idéia de que o susto seria aplicado com uso de álcool e fósforos, porém o interrogando não sabe dizer de quem partiu a idéia, mas todos concordaram com a mesma; que assim combinados, todos se dirigiram para um posto de gasolina, localizado na 405 sul, salvo engano; que ali chegando todos desceram do veículo e se dirigiram ao frentista alegando que tinham um carro ali próximo sem combustível e precisariam de um vasilhame para levar até o carro; que o frentista sugeriu que todos olhassem em um latão de lixo próximo, a fim de alie procurarem m vasilhame vazio; que todos procuraram e o interrogando não se recorda quem achou os dois litros de óleo vazio, os quais encheram de álcool combustível; ... que não foram de imediato ao encontro da vítima, já que depois da compra do combustível ainda rodaram um certo tempo pelas ruas da cidade a fim de procurarem algo para fazer..." (fls. 296/297)

Por mais ignóbil que tenha sido a conduta irresponsável dos acusados, não queriam eles, nem eventualmente, a morte de Galdino Jesus dos Santos. A emoção e indignação causadas pelo trágico resultado não podem afastar a razão. Assim, os réus devem ser julgados e punidos unicamente pelo crime cometido que, salvo entendimento diverso do MM. Juiz competente, é o de lesões corporais seguidas de morte. Inexiste o animus necandi (por não terem os acusados querido o trágico resultado ou assumido o risco de produzi-lo, repita-se), está afastada a competência do Tribunal do Júri, devendo os autos ser encaminhados a uma das Varas Criminais, a que couber por distribuição.

Por último cumpre examinar se deve ou não persistir a custódia cautelar dos acusados, diante da desclassificação do ilícito.

Em princípio, salvo entendimento diverso do MM. Juiz a quem couber o julgamento do feito, os réus deverão responder pelo crime previsto, no artigo 129, § 3° do Código Penal, verbis:

Art. 129 - (omissis)
§ 3°. Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo.
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

A nova capitulação que se delineia não é afiançável e, como sabido, o fato de os réus serem primários e de bons antecedentes não pode, por si só, desautorizar a prisão fundamentadamente decretada. Por outro lado, persistem, ao menos parcialmente, os motivos que levaram à segregação cautelar. Acrescento que a 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça, por maioria, negou habeas corpus impetrado em favor de Max Rogério Alves. Assim, não vislumbrando qualquer maltrato a preceito constitucional que justifique antecipação da decisão que o juiz da causa venha a tomar, deixo de examinar o pedido de liberdade provisória para não subtrair do Juízo competente a direção do processo."

Irresignado, interpôs o Ministério Público recurso em sentido estrito, que restou desprovido, à unanimidade, pela Egrégia Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, tendo sido o v. acórdão ementado nos termos seguintes, in verbis (Fls. 985):

"PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO DOLOSO. DESCLASSIFICAÇÃO. LESÕES CORPORAIS SEGUIDAS DE MORTE. PRETERDOLO.
Se a intenção dos agentes foi a de provocar um susto na vítima, ao acordar com o pano que cobria suas pernas em chamas e não o de causar a sua morte, diante fazerem-se presentes uma conduta dolosa - atear fogo -, e outra culposa - a morte -, derivada da violação do dever de cuidado, resta configurado o crime preterdoloso que impõe se desclassifique a imputação de homicídio doloso para lesões corporais seguidas de morte. "

Inconformado, interpôs o Parquet, concomitantemente, recurso extraordinário e recurso especial, este último com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da carta Magna, sob alegação de negativa de vigência aos arts. 74, § 1°, 408 e 410 do Código de Processo Penal e contrariedade aos arts. 18, inciso I, 121, § 2°, incisos I, III e IV, e 129, § 3°, do Código Penal, além do dissídio jurisprudencial com julgados do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná.

O Ministério Público, em suas razões recursais, sustenta a tese de "inadmissibilidade (...) de proceder o Presidente do Júri ou o Tribunal ad quem à desclassificação para a competência do juízo singular quando, conforme sucede na espécie e proclamaram às expressas a d. sentenciante e a E. 2ª Turma, os fatos da causa não permitem, à evidência, conclusão pacífica sobre o elemento subjetivo em ordem a afastar-se, de plano, a competência do Tribunal Popular." (fls. 1.018). (Grifos no original).

Adiante, às fls. 1.042/1.043, aduz, ainda, o Parquet que: "o v. acórdão recorrido, muito embora, ressaltando, com todas as letras, em face dos elementos dos autos, que "o único ponto controvertido é o elemento subjetivo" (fls. 1001) e que "tarefa mais ainda mais árdua é a de pesquisar no caso concreto, O animus que conduziu os agentes ao crime" (fls. 1002), mesmo reconhecendo "tênue" a "linha divisória" (fls. 1001) entre o dolo eventual e a culpa consciente, procedeu à valoração dos fatos e provas para superar a dúvida e chegar à conclusão de que os acusados não assentiram no resultado, não assumiram o risco de produzi-lo, afastando, às expressas, também, a aplicação do princípio in dubio pro societate na fase da pronúncia." (Grifos no original).

As contra-razões foram apresentadas às fls. 1.154/1.182; 1.184/1.199; e1.201/1.249, nas quais se argüi, em preliminar, a intempestividade do apelo, a ausência do prequestionamento, a aplicação da Súmula n° 400-STF e a não realização do dissídio; no mérito, apontam para a Súmula 07-STJ, asseverando, por fim, a improcedência da peça recursal.

Admitidos ambos os recursos, extraordinário e especial, subiram os autos a esta Corte.

A douta subprocuradoria-Geral da República se pronunciou pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.


RECURSO ESPECIAL N° 192.049 - DISTRITO FEDERAL

EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N° 400-STF. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO E LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. PRONÚNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO. REVALORAÇÃO E REEXAME DO MATERIAL COGNITIVO.
I - Embora o Ministério Público, na esfera criminal, não possua o benefício do prazo em dobro, a sua intimação, entretanto, é sempre pessoal, na pessoa do agente do Parquet com atribuições para recebê-la e não na de funcionário da Instituição (cfe. art. 41, inciso IV da Lei n° 8.625/93, art. 18, inciso TI, alínea h da L.C. 75/93 e art. 370 § 4° do C.P.P.).
II - É de ser reconhecido o prequestionamento quando, no acórdão recorrido, a quaestio juris está suficientemente ventilada juntamente, ainda, com dispositivos legais pertinentes.
III - A Súmula n° 400-STF não é óbice para o recurso especial e, in casu, concretamente, ela seria inaplicável.
IV - A decisão, na fase da pronúncia, aprecia a admissibilidade, ou não, da acusação, não se confundindo com o denominado iudicium causae.
V - A desclassificação, por ocasião do iudicium accusationis, só pode ocorrer quando o seu suporte fático for inquestionável e detectável de plano.
VI - Na fase da pronúncia (iudicium accusationis), reconhecida a materialidade do delito, qualquer questionamento ou ambigüidade faz incidir a regra do brocardo in dubio pro societate.
VII - Detectada a dificuldade, em face do material cognitivo, na realização da distinção concreta entre dolo eventual e preterdolo, a acusação tem que ser considerada admissível.
Recurso conhecido e provido.


V O T O

O SR. MINISTRO FELIX FISCHER (RELATOR): Quanto à preliminar da intempestividade levantada pela nobre defesa, é bem de ver que ela improcede in totum. Embora o Parquet, ao contrário do asseverado pelo recorrente, não possua na esfera criminal o prazo em dobro - o que é prerrogativa, por regra excepcional cfe. REsp 92.690-DF, DJU de 14/4/97 e RMS 8.021-MG, DJU de 19/5/97), no cível - o inconformismo especial foi interposto no prazo (v, art. 26 da Lei n° 8.038/90). Isto porque o agente do Ministério Público foi cientificado do v. acórdão vergastado no dia 24/04/98 (sexta-feira), fls. 1013, e o recurso acabou sendo interposto no dia 11/05/98 (segunda-feira), fls. 1014. E, a intimação se caracteriza como sendo a ciência dada à parte, no processo, da prática de um ato. Portanto, ela deve ser realizada nos termos da lei. No caso do Ministério Público (v.g. art. 41, inciso IV da Lei n° 8.625/93, art. 18, inciso II, alínea h da L.C. 75/93 e art. 370 § 4° do CPP com a redação dada pela Lei n° 9.271/96), bem assim, também, no do Defensor Público (art. 5° § 5° da Lei n° 1.060/50), a intimação é pessoal. Sob pena de se tornar letra morta a prerrogativa, a assertiva genérica da intimação, sem indicação de quem foi intimado e sem o ciente, por óbvio, não pode ter valor. Suponhamos, ad argumentandum tantum, que o agente ministerial se recusasse a apor o ciente, o Servidor do Poder Judiciário, incumbido de cientificá-lo, deveria atestar a esdrúxula situação. Assim, também, no caso de ciência inequívoca da decisão. Todavia, a certidão genérica, repetindo, carece de sentido, até porque a intimação tem que ser feita na pessoa do agente do Parquet com atribuições para recebê-la e não na de funcionário do M.P. Nesta linha, tem-se diversos precedentes, a saber: a) Embargos de Divergência no REsp 123.995-SP, 3ª Seção, de minha relatoria, julgado em 26/8/98, publicado no DJU de 5/10/98; b) REsp 172.040-911, 6ª Turma, relator Ministro Vicente Leal, julgado em 26/8/98, publicado em 28/9/98; c) REsp 46.390/SP, 5ª Turma, relator Ministro Edson Vidigal, DJU de 13/4/98, p, 134; d) REsp 34.288-PR, 5ª Turma, relator Ministro Cid Flaquer Scartezzini, DJU de 27/9/93, p, 19826; e) HC 73422-MG, 2ª Turma-STF, relator Ministro Maurício Corrêa, DJU de 19/12/96, p. 50161. In casu, a diferença entre o recebimento dos autos por funcionário e o ciente, pelo agente do Parquet, foi de apenas um dia. Além de inexistir indício de abuso, a intimação pessoal deveria ter sido levada a efeito por servidor do Poder Judiciário e não do Parquet.

Quanto à aventada ausência de prequestionamento (súmulas n° 282 e 356-STF), razão, por igual, não assiste à douta defesa. A temática, inegavelmente, foi até exaurida. A possibilidade, ou não, com os dados admitidos em segundo grau, da desclassificação restou exteriorizada de forma ampla. Já o prequestionamento explícito de dispositivos legais pertinentes à quaestio, este também ocorreu. No voto condutor estão referidos os arts. 129 § 3° do C.P. (fls. 1000, 1006 e 1007) do CP e 410 do CPP (fls. 1001 e 1007). No voto vogal estão mencionados os arts. 74 §1° (fls. 1009) e 408 (1009) do C.P.P.

A terceira questão argüida pela combativa defesa diz com a incidência da antiga Súmula n° 400 do Pretório Excelso. Ela, em verdade, na Carta Magna de 88, perdeu totalmente a sua razão de ser. O eminente Ministro Costa Leite, de forma impecável, já asseverou: "De fato, a previsão de cabimento do recurso no caso de dissídio jurisprudencial, conduz ao raciocínio de que, a despeito de a lei comportar outras, deve ser definida uma única interpretação. Afirmar razoável a interpretação quando interposto o recurso pela alínea "a", que pode, no entanto, vir a ser infirmada quando em confronto com outra, não se ajusta bem à noção de estabilidade dos direitos de segurança nas relações jurídicas." (in "Estado de São Paulo", 26/9/89, p. 31). O nobre Ministro Moreira Alves (in "Poder Judiciário", na obra "Constituição Brasileira de 1988 - Interpretação", Rio, Forense, p. 200, 1988) também, entende que a razoabilidade não pode ser, para o STJ, óbice para conhecer de recurso especial. E, como precedente, tem-se: REsp 5936-PR, 4ª Turma, relator Ministro Sálvio de Figueiredo, DJU de 7/10/91, p. 13971. Além do mais, como será adiante examinado, de forma alguma, a referida Súmula poderia ser, in casu, aplicada.

Em sede de admissibilidade formal, a combativa defesa ainda indica a inocorrência da configuração do dissídio pretoriano. Neste ponto, mesmo que os paradigmas colhidos no Pretório Excelso e no Superior Tribunal de Justiça, na forma posta, não satisfaçam as exigências da divergência jurisprudencial, o v. julgado do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicado na RT 648/275-277 evidencia o preenchimento dos requisitos estabelecidos nos arts. 255 § 2° do RISTJ e 541, parágrafo único do CPC c/c o art. 3° do CPP. Os limites do decisum de pronúncia e os da desclassificação estão delineados e cotejados entre julgado recorrido e paradigma. Já os oriundos desta Corte, na parte comparativa, escapam do punctum saliens. E, os da Augusta Corte, data venia, foram arrolados via cópias não autenticadas (v. art. 255 § 1°, alínea "a" do RISTJ). De qualquer modo, como está dito acima, a divergência restou caracterizada.

Superados estes aspectos, impõe-se a análise da pretensão recursal. E, aí, então, existem dois tópicos fulcrais, interligados, a saber: a) os limites do iudicium accusationis b) a extensão do exame, por ocasião da pronúncia, da diferença entre homicídio qualificado e lesão corporal seguida de morte.
A quaestio iuris, aqui, surgiu não por ocasião do iudicium causae (juízo de causa), normalmente, de competência, nos crimes dolosos contra a vida e no dos conexos, do Tribunal do Júri (art. 5°, inciso XXXVIII, alínea d, da Carta Magna e art. 78, inciso I do CPP), mas, isto sim, no momento do iudicium accusationis.

Nunca é demais lembrar, então, que o julgador monocrático, ao final da primeira fase procedimental, analisando a imputação insculpida na proemial acusatória, tem, em tese, quatro opções fundamentais: a) pronúncia; b) impronúncia; c) absolvição sumária; d) desclassificação. Julga-se, em verdade, neste momento, a admissibilidade (e não a procedência) da acusação. A lei, portanto, usa sempre, em todas as quatro hipóteses, as expressões "se o juiz se convencer", "quando o juiz se convencer", "se não se convencer" ou "quando se convencer" (ex vi art. 408, caput, 409, caput, 410, caput e 411, caput, todos do CPP). Mas, este "convencer" ou "não se convencer" é estabelecido no patamar do juízo de admissibilidade e não no do juízo da causa. Demonstrada a materialidade do delito e os indícios de autoria, a regra é a da pronúncia. Inocorrendo o preenchimento destes requisitos, ocorre o juízo antagônico da impronúncia (passível, muitas vezes, de ensejar nova persecutio). Quando, in extremis, de forma incontestável, ocorrer uma justificativa ou uma excludente de culpabilidade, surge a absolvição sumária, decisão esta, sujeita ao reexame ex officio. Finalmente, quando a imputação por crime doloso é inadmissível como tal, pode, e deve, o julgador operar a desclassificação.

Todavia, cabe, ai, em sede de desclassificação, relembrar que, no processo de competência do Júri, podem, por igual, ocorrer duas hipóteses: a) a desclassificação por ocasião do iudicium accusationis (na fase da pronúncia); b) a desclassificação no momento do julgamento pelo Júri. Neste, a eventual dúvida favorece o réu. Naquele, prolatado pelo julgador monocrático, é de ser observado o velho brocardo in dubio pro societate. A desclassificação, nesta última situação, só pode ser feita se a acusação por crime doloso for manifestamente inadmissível. O suporte fático da desclassificação, ao final da primeira fase procedimental, deve ser detectável de plano e isento de polêmica relevante (cf. Aramis Nassif in "Júri. Instrumento da Soberania Popular", p. l10, 1996, Livraria do Advogado; J. F. Mirabete in "Código de Processo Penal Interpretado", Atlas, p. 490, 4a ed.; Damásio E. de Jesus in "Código de Processo Penal Anotado", 12ª ed., 1.995, p. 287, Saraiva; Guilherme de Sousa Nucci in "Júri. Princípios Constitucionais", 1999, Ed. Juarez de Oliveira, p. 89 e Heráclito Antônio Mossin in "Júri. Crimes e Processo", 1999, Ed. Atlas S.A., p. 299). Se admissível a acusação, mesmo que haja dúvida ou ambigüidade, o réu deve ser pronunciado (cf. HC 75.433-3 -CE, 2ª Turma - STF, relator Ministro Marco Aurélio, DJU de 13/3/97, p. 272/277 e RT 648/275). O juízo de pronúncia é, no fundo, um juízo de fundada suspeita e não um juízo de certeza. Admissível a acusação, ela, com todos os eventuais questionamentos, deve ser submetida ao juiz natural da causa, em nosso sistema, o Tribunal do Júri. Tem mais. A simples afirmação de ausência de dúvida não desfigura a quaestio iuris. Sob pena de ser transmutado, na prática, o princípio do livre convencimento fundamentado (nos limites, aqui, obviamente, do iudicium accusationis) em princípio da convicção íntima, a exteriorização da certeza deve ser sempre calcada no material cognitivo. Ela não se confunde com a processualmente irrelevante certeza subjetiva do órgão julgador. Só é válida a certeza alcançada sub specie universalis (plenamente amparada e passível de impugnação).

Pois bem, mais de uma vez, no presente caso, o v. acórdão recorrido deixou claro, e o recorrente bem o demonstrou, que os limites da desclassificação, na etapa do iudicium accusationis, não foram respeitados. Raciocinou-se, precipitadamente, na forma de iudicium causae. Por exemplo, na desclassificação em primeiro grau, reconheceu-se, expressamente, que "o único ponto controvertido é o elemento subjetivo” (Fls. 1001) e "tarefa mais árdua é a de pesquisar, no caso concreto, o animus que conduziu os agentes ao crime (fls. 1002). Falou-se, a seguir, em "para obter a difícil resposta sobre o elemento subjetivo..." (fls. 1002). Tudo isto, incorporado ao v. acórdão reprochado. Em segundo grau, fls. 1007, foi cometido outro lapso jurídico, ao ser dito, como valoração, "ademais, a desclassificação na primeira fase procedimental, não afeta a soberania do Júri e nem atinge o princípio in dubio pro societate, posto que ainda se faz presente a garantia constitucional da soberania dos veredictos, a qual só existe após decisão do Júri, desde que não seja teratológica". Ora, o principio in dubio pro societate é aplicável, justamente, antes da decisão do Júri, nunca nesta. Já no iudicium causae, ai sim, o que se aplica é o in dubio pro reo.

Na mesma linha, pelo menos na etapa do iudicium accusationis (da pronúncia) foi cometido error de grau de valoração na distinção entre lesão corporal seguida de morte e homicídio qualificado, com nova precipitação ou indevida antecipação de aprofundada apreciação.

Na parte pertinente à distinção dolo eventual/culpa consciente, sabe-se, é comum o uso da teoria positiva do consentimento de Frank, pela qual há dolo eventual quando agente, revelando indiferença quanto ao resultado, "diz" para si mesmo "seja assim ou de outra maneira, suceda isto ou aquilo, em qualquer caso, agirei." Alguns afirmam que o dolo direto é a vontade por causa do resultado e o eventual é a vontade apesar do resultado (cf. "Manual de Direito Penal" de Cezar Roberto Bittencourt, Parte Geral, p. 237, 4ª ed. RT) . Mas, o que é importante, por demais relevante, é que o resultado, no dolo eventual, não é aceito como tal mas, isto sim, a sua aceitação é como possível, provável. Caso contrário, haveria, aí, dolo direto (cf. E. R. Zaffaroni in "Manual de Derecho Penal", Parte Geral, p. 419, 1996, Ediar). E não é só! Tornou-se pacifico que, para o dolo eventual, mormente ex vi art. 18, inciso I do C. Penal, não é necessário consentimento explícito e nem consciência reflexiva em relação às circunstâncias, tudo isto, próprio do dolo direto, o dolo eventual não é, na verdade, extraído da mente do autor, mas sim, das circunstâncias.

Pois bem, esta distinção só poderia ter sido efetivada a nível de ser, ou não, a acusação admissível. Todavia, percebe-se, de pronto, que tal limitação, igualmente, não foi observada no v, decisório increpado.
A valoração dos dados admitidos, e suficientes, efetuou-se, tecnicamente, de forma .equivocada. Por exemplo, dizer-se que fogo não mata porquanto existem muitas pessoas com cicatrizes de queimadura, data venta, não è argumento válido nem no iudicium causae (v, ris. 1006) . Todos, desde cedo, independentemente do grau de instrução, sabem que brincar com fogo é muito perigoso. O fogo pode matar. E, mata de forma - sabidamente - terrível, extremamente dolorosa. Basta, também, que se atente para as mortes (em principio, homicídios qualificados) de mendigos que acontecem, em situações similares, pelo país afora. Além do mais, se fogo não mata, então o que dizer do tipo previsto no art. 121, § 2°, inciso III ("fogo") do C. Penal? Desnecessário responder!

A observação, por outro lado, considerada fundamental, de que os jovens acusados não agiram com dolo eventual porquanto, tendo dois litros de álcool, só jogaram, sobre a vitima, um deles, é totalmente incompatível com uma motivação adequada ao iudicium accusationis (v. fls. 1002). Uma, porque o litro, e não mero cálice, foi - em principio, previsível – por demais suficiente para queimar totalmente a vitima; duas, isto seria o mesmo que negar - e provisoriamente - o dolo quando uma pessoa, tendo duas balas no revólver, e, jogando fora uma, alveja a vitima, com a outra, em ... região mortal.

A referência ao caráter dos acusados (fls. 587), na decisão de primeiro grau, denota outro error. A análise do caráter não pode ser relevante para efeito de tipificação. Tal é próprio do "Direito Penal d. Autor", aonde o réu é acusado, ou não, pelo que é e não pelo que fez (E. R. Zaffaroni in ob., cit., ps. 72/73 e 518/519 e Claus Roxin in "Derecho Penal", Tomo I, pags. 176/177, Civitas, 1997). Em outras palavras, refoge ao Estado de Direito Democrático.

Portanto, a violação aos arts. 410 do CPP, e 129 § 3° do C P está caracterizada. Houve precipitação na desclassificação e reconheceu-se crime preterdoloso aonde, no iudicium accusationis, teria que ser, in casu (com os próprios dados indicados na prestação da tutela jurisdicional increpada), admitido o homicídio qualificado em concurso de agentes.

As qualificadoras (incisos I, III e IV) devem ser submetidas, a meu ver, ao Tribunal do Júri. Elas são, todas, admissíveis. O motivo torpe (a "brincadeira" de atear fogo a um ser humano, a crueldade do uso de fogo e o recurso que impossibilitou a defesa da vítima (aproveitaram, os envolvidos, o fato de estar a vítima dormindo) não podem ser descartados. O Conselho de Sentença, se a quesitação chegar a este ponto, é que dirá da procedência, ou não, das qualificadoras.

A co-autoria, em sentido amplo, deve ser mantida (art. 29 do C. Penal). Nunca é demais lembrar que concorrer engloba a convergência consciente, a cooperação, a ajuda, a instigação e o participar do empreendimento criminoso. De qualquer modo, até aqui, a co-autoria é admissível.
Q delito de corrupção de menores (art. 1° da Lei n° 2.252/54j, por ser conexo, deve ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri. O envolvimento do menor no caso indica também, a sua admissibilidade (v. art. 78, inciso I do CPP).

Finalmente, recomendando prioridade e celeridade ao feito, mantenho, igualmente, a situação prisional dos acusados.

Isto posto, voto pelo provimento do recurso, com a pronúncia dos réus nos termos da denúncia.

VOTO

O SR. MINISTRO GILSON DIPP: Sr. Presidente, os fatos, objeto do presente recurso especial, parece-me que restam certos e incontroversos.

Não há nenhuma dúvida e não se levantou, sequer do Tribunal, ou do parecer ministerial, nem mesmo do voto do Relator, qualquer discrepância em relação aos fatos.

A questão então posta é meramente jurídica e resume, no meu modo de ver e saber, tão-somente isto: Pode a sentença de pronúncia operar a desclassificação do crime imputado aos recorridos na denúncia valendo-se de ampla valoração da prova, inclusive imiscuindo-se pelo aspecto volitivo dos denunciados, para então ajustar o dolo eventual e reconhecer a culpa consciente, atribuindo-lhes a tipificação de lesões corporais seguidas de morte? Esta é a questão. E, à pergunta, respondo que penso que não.

Nesse sentido é a lição dos grandes doutrinadores do Direito Penal Brasileiro.

Tourinho Filho, refere:

"A pronúncia deve ser fundamentada? Sim mas em termos: a fundamentação deverá ficar adstrita tão-só aos seus requisitas, indicar as provas que demonstrem materialidade, autoria e eventual qualificadora. (..) Na pronúncia, o juiz cinge-se e restringe-se em demonstrar a materialidade e a autoria. Só. (..) O que passar daí é extravagância injustificada e incompreensível. (..) Mesmo que o juiz fique na dúvida quanto à pronúncia, a jurisprudência entende deva ele proferi-la, porquanto não exige ela juízo de certeza. A pronúncia encerra, isto sim, juízo fundado de suspeita" (in Código de Processo Penal Comentado, vai. 02, 1997, pág. 25).

Desse modo, como ponderou o recorrente, somente quando evidente a existência de crime diverso dos referidos no art. 74, § 1°, do Código de Processo Penal, era decorrência de circunstância demonstrada de plano e estreme de dúvida - tão-somente assim a incompetência do Tribunal do Júri se tomaria visível - sendo que tal demonstração não vislumbrei aqui e nem verifiquei nas peças que me foram ofertadas, para exame, pelo eminente Relator.

Consoante o próprio acórdão recorrido, a desclassificação efetivada se deu após minudente discussão e valoração da prova dos autos. Isso me parece, também, ser incompatível com o juízo de pronúncia.

Na mesma esteira, a lição de Mirabete:

"Não deve o juiz operar a desclassificação quando as provas dos autos não a permitem .leia de plano reconhecida" (in Código de Processo Penal Interpretado, 5ª Edição, pág. 543).
O cotejamento crítico da prova e a sua valoração profunda na fase de pronúncia subtrai do Tribunal Popular Soberano causa que lhe è atribuída por lei (art. 74, § 1°, do Diploma Processual Penal).

Assim, deixou o acórdão recorrido de aplicar o art. 408 do Código de Processo Penal, norma que regula a matéria, porquanto inafastável, de plano, o dolo eventual e a tipificação cominada na exordial acusatória, o que seria de atribuição exclusiva do juiz natural da causa, o Tribunal Popular.

A vingar a tese do acórdão recorrido, poucas denúncias seriam recebidas, senão quando provado e comprovado o dolo, elemento do tipo, o que inviabilizaria, desde logo, a manifestação legal e constitucional dos jurados.

Dentro dessa finita de raciocínio, entendo igualmente demonstrada a divergência jurisprudencial entre o decisum impugnado e o acórdão, trazido à colação no recurso, do Tribunal de Justiça de São Paulo - Recurso Especial n° 71.325-3, que não revolve, em absoluto, matéria de fato, mas simplesmente demonstra a divergência quanto aos limites de aplicação dos dispositivos legais na via exígua da sentença de pronúncia.

Sr. Presidente, fico por aqui, não adentrando em nenhum outro exame do aspecto volitivo, porque me faltaria competência. Essa competência não pode ser afastada do Tribunal Popular.

É possível, inclusive, que a sentença e o acórdão recorridos tenham feito análise perfeita e correta dos fatos que lhe foram submetidos, mas essa análise não lhes competia. Não poderia ter sido subtraída a competência do Juiz Natural, mormente, como já disse, nos estreitos limites do juízo de pronúncia

Ante o exposto, Sr. Presidente, conheço do recurso pela alínea "a", por violação aos artigos 74, § 1°, c 408, ambos do Código de Processo Penal, assim como pela alínea "c", em relação ao acórdão que fiz referência, por divergência jurisprudencial quanto à aplicação dos aludidos artigos. Consequentemente, dou provimento ao recurso para determinar a pronúncia dos acusados, nos termos explicitados na peça pórtica. É como voto.
VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO: Srs. Ministros, como se verifica da exata exposição do Ministro Relator, das sustentações orais dos ilustres advogados, da assistência de acusação e do voto do Sr. Ministro Gilson Dipp, põem-se sob o crivo desta jurisdição excepcional estas questões federais:

a) se a sentença, mantida pela Cone a que, poderia, ou não, desclassificar o crime, afastar a competência do júri, mediante ampla valoração dos fatos e das provas;

b) se a definição legal desses fatos de que cuidaram o ato monocrático e o aresto recorrido está correta ou se, segundo as razões do recurso, merece reparos para ajustar a conduta acima descrita a outro tipo penal.

Para as instâncias ordinárias, inexiste empeço legal a que o juiz inadmita, como no caso, a acusação de crime doloso à vista da prova dos autos; posto integrante do tipo, tarefa que lhe compete. E arrematam, inexistindo dolo, a atuação dos agentes circunscreve-se à figura prevista no art. 129, § 3°, do Estatuto Penal, dado que ocorrera crime preterintencional e não homicídio. A ação inicial dos recorridos foi dolosa, porquanto ao atearem fogo na vítima sabiam que iam feri-la; o resultado morte, nada obstante, escapou-lhes da vontade, "a eles só pode ser atribuído pela previsibilidade."

Contravindo a esse posicionamento, o Parquet do Distrito Federal e Territórios sustenta descaber ao juízo singular, "discutindo à exaustão os fatos da causa, cotejando-os, conferindo-lhes, enfim, valoração em evidente contraposição às diretrizes dos arts. 408 e 410 do Código de Processo Penal, ferindo de morte, por igual, o art. 74, § 1°, do mesmo estatuto", sob pena de arrebatar do tribunal do júri o poder de julgar a causa.

Na fase da pronúncia, ajunta, prepondera o princípio in dubio pro societate. Por fim, acena com a ocorrência versada no art. 18, Inciso I, segunda parte, do Código Penal, ou seja, crime doloso eventual pela assunção do risco em produzi-lo. Contrariado, com denodo e judiciosas considerações, foi admitido. Parecer ministerial pelo provimento do apelo.

Esses, em abreviado, os núcleos do dissenso, submetidos à apreciação deste Colegiado.

Induvidosamente, a ação inicial dos recorridos, intencional e voluntária, mediante a utilização de álcool e fogo, para brincar, provocou queimaduras em 95% do corpo da vítima e, consequentemente, a sua morte.

Dito isto, e sobre o que inexiste controvérsia, essa conduta recai na previsão do art. 121, do Código Penal, ou seja, homicídio em qualquer das modalidades ali previstas. E o art. 74, § 1°, do Código de Processo Penal é expresso no sentido de competir ao tribunal do júri o julgamento, dentre outros, do crime de que trata o art. 121, §§ 1° e 2°, do Código Penal.

Conceber, contudo, que os acusados não assentiram com o resultado morte, ainda que o hajam previsto possível ou provável, consoante análise das circunstâncias dos fatos e do animus dos agentes, procedida de plano e em juízo de nímia delibação, revela arrebatamento da competência do tribunal popular. E não só: para vislumbrar, na conduta dos recorridos, o crime preterdoloso e, via de conseqüência, desclassificar o homicídio doloso para lesões corporais seguidas de morte, incursionou a veneranda sentença de primeiro grau, mantida pelo v, acórdão sob reexame, em análise dos interrogatórios dos réus, na polícia e em juízo, na prova técnica para formar a convicção de que eles não atuaram dolosamente.

Ao afastar o dolo que teria animado os réus, não se limitou a perquirir a decisão de primeiro grau, a mente de cada qual, mas apreciou também as circunstâncias do fato (fls. 1.010/1.111), Lê-se da v. sentença:

"Traçados os balizamentos, tarefa mais árdua é a de pesquisar, no caso concreto, o animus que conduziu os agentes ao crime."

A v, sentença diz que deparou com o "único ponto controvertido: o elemento subjetivo." E continua, ... "Assim, restam somente o homicídio praticado com dolo eventual e o crime de lesões corporais seguidas de morte, denominado preterdoloso. A linha divisória entre ambos é tênue." Realmente, em doutrina e jurisprudência sobre o tema, formulam-se algumas correntes de pensamento para distingui-las. Ora, se no juízo de admissibilidade é inexigível que na pronúncia exista a certeza, muito menos, à custa de exame aprofundado de provas, inviável é emitir-se juízo de desclassificação do crime apoiado em questão jurídica de alta indagação sobre a qual ocorrem serias divergências. Basta referir que sobre o animus dos acusados, no caso in concreto, distanciam-se dois renomados penalistas: Francisco Assis Toledo e Damásio S. de Jesus. Para o primeiro, operaram com culpa consciente; para o segundo, com dolo eventual.

A propósito, confira-se este tópico:

"A exemplo do que se deu na Alemanha, culminando com a entrada em vigor de um novo Código, o reformador brasileiro optou pela chamada teoria limitada da culpabilidade, cujos resultados práticos, quanto ao dolo, podem ser assim resumidos: a) conceituado apenas com consciência e vontade de realização do tipo, é transferido da culpabilidade para aquele, sem a consciência da ilicitude (dolo natural); b) a consciência da ilicitude passa a fazer parte da culpabilidade, ou do juízo de reprovação.

Ver-se-á, nos tópicos seguintes, o quanto a Lei 7.209 tentou alterar o sistema. Observou Aníbal Bruno:

"Doutrinas mais recentes, a que já nos referimos, excluem, porém, o dolo e a culpa da composição da culpabilidade e apresentam o dolo como elemento do tipo, o tipo subjetivo (v. Weber), ou como elemento constitutivo da ação e do ilícito pessoal (Welzel), e com o dolo pretendem excluir da construção da culpabilidade todo o psicológico, deixando-lhe somente o normativo. Ao dolo caberia a consciência do ato, com a vontade de realizá-lo – o dolo como vontade do resultado (v. Weber); à culpabilidade, a consciência da antijuridicidade. Vê-se como essas concepções perturbam profundamente e complicam a estrutura conceitual do crime e particularmente da culpabilidade agora admitida (as referidas doutrinas mais recentes) se pode objetar que não atendem a que não pode haver consciência da ilicitude sem consciência do ato nas suas circunstâncias elementares. Mesmo reduzindo-se o dolo ao conhecimento do ato, sem a consciência de seu caráter ilícito, ele tem de estar contido dentro da culpabilidade. Além disso, culpabilidade é reprovabilidade e esta reprovabilidade só pode recair sobre o agente se este tem ou pelo menos pode ter consciência do ato que pratica. A esta consciência do ato é que se junta a consciência da sua ilicitude. A primeira é pressuposto da segunda e ambas constituem momentos inseparáveis do elemento subjetivo da culpabilidade."

Por entendermos que o dolo ou é sempre vontade do resultado, ou sempre assunção do risco do resultado, não vemos razão para abrir espaço ao tema "espécies de dolo ". Para nós, o dolo é direto ou eventual, nos exatos termos em que a lei o coloca. A lei é a referência. (José Cirilo de Vargas, in Instituições de Direito Penal, Tomo ( 1997, p. 276/277).

Então, poderiam a decisão solitária e o acórdão do Tribunal de Justiça, por livre escolha, com profundo revolvimento dos elementos fáticos, adotar uma corrente e simplesmente subtrair os réus da deliberação do júri? É claro que não.

Lêem-se dos excertos doutrinários trazidos pelo Parquet do Distrito Federal:

De Júlio Fabrini Mirabete: "Como juízo de admissibilidade, não é necessário à pronúncia que exista a certeza sobre a autoria que se exige para a condenação. Daí que não vige o princípio do in dubio pro reo, mas se resolvem em favor da sociedade as eventuais incertezas propiciadas pela prova (in dubio pro societate). O juiz, porém, está obrigado a dar os motivos de seu convencimento, apreciando a prova existente nos autos, embora não deva valorá-los subjetivamente. Cumpre-lhe limitar-se única e tão-somente, em termos sóbrios e comedidos, a apontar a prova do crime e os indícios da autoria, para não exercer influência no ânimo dos jurados, que serão os competentes para o exame aprofundado da matéria. "

Adverte, mais, Tourinho Filho: “A pronúncia deve ser fundamentada? Sim, mas em termos: a fundamentação deverá ficar adstrita tão-só aos seus requisitas: indicar as provas que demonstram materialidade, autoria e eventual qualificadora. Infelizmente Juízes há que, na pronúncia, pensando tratar-se de decisão de mérito, analisam o feito como se fossem, em seguida, condenar ou absolver. E, aí, não faltam as adjetivações... Lamentavelmente laboram em erro inominável. Na pronúncia, o Juiz cinge-se e restringe-se em demonstrar a materialidade e autoria. Só. Esse o papel da pronúncia, semelhante ao procedimento do grande júri que havia no Direito inglês.- reconhecer a existência do crime, seja a parte objecti, seja a parte subjecti. O que passar daí é extravagância injustificada e incompreensível. Mesmo que o Juiz fique na dúvida quanto a pronúncia, a jurisprudência entende deva ele proferi-la, porquanto não exige ela juízo de certeza. A pronúncia encerra, isto sim, juízo fundado de suspeita. Daí porque, na dúvida, deve o Juiz pronunciar. A propósito, RT 65 0/255."

E das razões do apelo, destaca-se:

"Nesse contexto, somente quando evidente, demonstrada de plano, estreme de dúvidas, a incompetência do Tribunal do Júri - o que não ocorre na espécie, de acordo com o próprio v, acórdão recorrido - admitir-se-ia a desclassificação aqui efetivada após longa e exaustiva discussão das provas dos autos."

Enfatiza, ainda, o Prof. Mirabete:

"Não deve o juiz operar a desclassificação quando as provas dos autos não a permitam seja de plano reconhecida."

No tocante à divergência pretoriana, resultou bem demonstrado o afastamento do decisum objurgado da orientação do STF, do STJ e dos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná. Confiram-se:

Habeas Corpus n° 73. 512-6 – RJ, a 1ª Turma do STF decidiu conforme consta da respectiva ementa, verbis:
"EMENTA: HABEAS CORPUS. PRONÚNCIA. MOTIVAÇÃO. ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA SUBMISSÃO DO PACIENTE AO TRIBUNAL DO JÚRI.
O acórdão atacado, ao submeter o paciente ao seu juiz natural, descreveu conduta típica. Mais não seria de exigir-se, notadamente em face do que dispõem o art. 408 do Código de Processo Penal, o primado do in dubio pro societate e a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a pronúncia deve evitar converter um mero juízo fundado de suspeita, que a caracteriza, num inadmissível juízo de certeza, onde haveria inquestionável prejuízo à competência constitucional do Tribunal do Júri para apreciar a questão de mérito (HC 68.606, Rel. Min. Celso de Mello).
Habeas corpus indeferido. "
Habeas Corpus n° 75.433-3 - CE, a 2ª Turma do STF ratificou:

"HOMICÍDIO - TENTATIVA – DESCLASSIFICAÇÃO –LESÕES CORPORAIS.
Exsurgindo a ambigüidade, impõe-se a submissão do acusado ao juiz natural, que é o tribunal do júri. A este, então, cabe decidir pela existência, ou não, de crime doloso contra a vida. "

No corpo do acórdão consta o seguinte:

"Aos autos vieram peças a respaldar, de início, a sentença de pronúncia. O Paciente, após sofrer lesões corporais, foi socorrido em hospital. Retornando a residência e deixando de acolher ponderação no sentido de apresentar queixa à polícia, armou-se de machado e, contra a postura dos parentes, buscou encontrar o cunhado desafeto, desferindo-lhe um golpe. Cumpre, na espécie, viabilizar o pronunciamento do Tribunal do Júri. A este caberá, diante dos elementos coligidos, da prova da exposição em plenário, concluir pela configuração, ou não, da citada tentativa. É que, em se tratando de situação ambígua, a definição colhe-se com o pronunciamento dos jurados" (p. 276).

Ainda, em julgado de sua 1ª Turma, o Supremo Tribunal Federal ratifica o entendimento consagrado sobre a limitação imposta nesta primeira fase:

"Habeas corpus - Júri - Pronúncia - Limites a que Juízes e Tribunais estão sujeitos - Excesso configurado – Ordem deferida.
Os Juízes e Tribunais devem submeter-se, quando praticam o ato culminante do iudicium accusationis (pronúncia), à dupla exigência de sobriedade e de comedimento no uso da linguagem, sob pena de ilegítima influência sobre o ânimo e a vontade dos membros integrantes do Conselho de Sentença.
Age ultra vires, e excede os limites de sua competência legal, o órgão judiciário que, descaracterizando a natureza da sentença de pronúncia, converte-a, de um mero juízo fundado de suspeita, em um inadmissível juízo de certeza” (RT 523/486).

Em igual diretriz, o aresto desse C. Superior Tribunal de Justiça, preferido no Recurso de Habeas Corpus n° 3.818-7, relator Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, com esta ementa:

"RHC - PROCESSUAL PENAL – DECISÃO JUDICIAL - FUNDAMENTAÇÃO - SENTENÇA – PRONÚNCIA.
Toda decisão judicial deve ser fundamentada (Const., art. 93, IX, exigência do Estado de Direito Democrático. Fundamentar é explicitar as razões fáticas e normativas pertinentes ao caso sub judice. Cumpre, porém, distinguir "sentença de mérito" e "sentença de pronúncia ". A primeira aprecia o meritum causae: condenatória quando, reconhecendo o crime, impuser a sanção; declaratória se, repelindo a imputação, absolver o réu. A sentença de mérito julga a causa. A sentença de pronúncia limita-se a evidenciar indícios de existência do delito e indícios de autoria. Logicamente, a fundamentação de ambos é diferente. Na primeira, exaustiva. Na segunda, porque própria do juízo de delibação, o juiz não pode apreciar o mérito. Este é de análise exclusiva do Tribunal do Júri. Indício, na passagem, empregado no rigor técnico, qual seja, fato demonstrado do qual decorre, ou possa decorrer a demonstração do outro."

Colhe-se, ainda, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal:

"O ilustre Juiz de Direito Presidente do feito, ao pronunciar o paciente, laborou de forma adequada, limitando-se a fazer breve apreciação da prova apenas para afirmar a certeza da existência do fato criminoso e para indicar a presença de indícios de autoria. Não poderia aprofundar-se em teses formuladas pela defesa, como se reclama na impetração, com invasão do Juízo natural do Tribunal do Júri. " (HC n° 3.344-2/GO, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJ 14. 08. 95)

Por fim, colhe-se da RTJ 144/859, HC 69.524-SP, 2ª Turma, do Supremo Tribunal Federal, Rel. Min. Paulo Brossard, este excerto da ementa:

"As decisões sobre a espécie de homicídio doloso simples, privilegiado ou qualificado - a discriminante de legítima defesa e a negativa de autoria, bem como a valoração das provas, são da competência exclusiva e soberana do Tribunal Popular."

Ainda, nesse passo, consoante consta das razões do recurso: REC 71.325-3, acórdão proferido pelo TJ/SP, em que o acusado fora pronunciado pela tentativa de homicídio e o recurso em sentido estrito objetivava a desclassificação para lesões corporais; em que restou assentado:

"...A pronúncia era portanto medida de rigor já que a pretendida desclassificação para lesões corporais diante da prova dos autos, não permite seja de plano reconhecida. Bem andou por isso o magistrado, mesmo porque o juiz não deve realizar, no momento da pronúncia, análise profunda da prova, para verificar qual seja o elemento subjetivo. A matéria da culpabilidade, nos delitos de competência do júri, cabe ser resolvida pelo Conselho de Jurados quando, como na espécie, não se encontre cabalmente demonstrado tenha o réu recorrente agido movido por dolo de crime estranho à sua competência.” (Rec. 71.325-2, 2ª Câmara, julgado em 23,10.89, Rel. Des. Renato Talli - R T 648/2 76).

De igual modo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no recurso-crime 69005862 (Revista de Jurisprudência TJRGS 150/88); o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (1ª Câmara, Rel. Des. Eras Grawsby, RT 684/342).

Senhores Ministros, no âmbito desta 5° Turma, temos precedentes, no sentido de competir ao Tribunal do Júri pronunciar-se acerca de qualificadoras, salvo se manifesta a sua improcedência, hipótese em que o juiz singular pode afastá-las. Assim temos: REsp 50.517-DF, Rei. Min. Edson Vidigal: REsp 95.127-GO, Rel. Min. José Dantas - DJ 14.04.97; REsp 113.367-DF, Rei. Min. José Arnaldo, julgado em 21.05.98.

Em igual linha de princípio, havendo crime e autoria incumbia ao juiz pronunciar os réus, cabendo ao Conselho de Justiça deliberar sobre a desclassificação, absolvição ou condenação, ainda mais tendo em conta que, com a reforma de 1984 do Código Penal, adotou-se a teoria finalista da ação pelo que se inseriu o dolo no tipo, que passou a ser objetivo e subjetivo.

É que, conforme o art. 408, do CPP, "não é necessária a prova incontroversa da existência do crime para que o réu seja pronunciado. Basta que o juiz se convença daquela existência. Eventuais dúvidas são resolvidas contra o imputado e a favor da sociedade, para que os jurados, juízes naturais dos crimes contra a vida, tenham oportunidade de proferir a última palavra" (Rec. 67.296-3, TJSP – 5ª Câmara, julgado em 01.11.89, Rei. Dirceu de Mello).

E obtemperou o il. relator, Des. Dirceu de Mello:

"A partir daí, à conta da tênue linha que separa a culpa em sentido estrito do dolo eventual - provocou o recorrente a morte da vítima por imprudência, negligência ou imperícia? Ou, na verdade, com sua ação, assumiu o risco de produzir tal resultado? - correspondem as indagações em causa a dúvidas que ficam no espírito de quem examina os autos. E que, como já adiantado, na altura em que se encontra o processo, têm que se deixar resolvidas pelo Tribunal do Júri. A menos que, com flagrante inversão da ordem legítima das coisas, se queira desde logo substituir o Juiz natural pelo Juiz togado."

No judicium accusationis, há inversão da regra procedimental do in dubio pro reo para in dubio pro societate, daí porque somente à vista de prova inequívoca e flagrante descabimento é que deve o acusado ser subtraído de seu Juiz Natural : o Júri.
A decisão de 1° grau, sabidamente de natureza interlocutória, encerrando um Juízo negativo, não poderia, repise-se, esmiuçando as provas, concluir sobre o elemento subjetivo de forma a arrebatar a competência da instituição político-jurídica, o Tribunal Popular, com jurisdição exclusiva para o julgamento do meritum causal.

Ante o exposto, acompanho o Min. Relator, para dar provimento ao recurso por negativa de vigência aos arts. 74, §1° e 408, do C.P.P, e divergência pretoriana a fim de que os recorridos sejam pronunciados e submetidos ao Tribunal do Júri.

VOTO VENCIDO:

O Exmo. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Senhor Presidente, o que se traz aqui para nossa decisão é se a sentença de primeiro grau, confirmada pelo Tribunal de Justiça, deve ser mantida ou não.

Apoiando-se no CPP, Arts. 408, § 4° e 410, a sentença desclassificou a imputação de homicídio doloso contra os acusados.

o Ministério Público do Distrito Federal, em alegações finais, asseverou:

"se não tinham os agentes do crime manifesta intenção de causar a morte da vítima, no mínimo assumiram o risco de provocar o resultado lamentavelmente advindo". (sentença, fls. 09) .

A ilustre Magistrada, Dra. Sandra de Santis, em sua sentença, anotou:

"Não se contende sobre a autoria e materialidade do ilícito. - Os acusados assumiram a responsabilidade pela prática delituosa. A confissão está corroborada pela ampla prova trazida aos autos. Já a materialidade está patenteada no laudo de exame cadavérico. As fotografias anexadas à peça técnica demonstram as lesões sofridas pela vítima do crime e que, certamente, lhe causaram sofrimento atroz. A conduta fins agentes, sem dúvida, deixou a todos indignados, tal a reprovabilidade da selvagem "brincadeira", independentemente de tratar-se de mendigo ou índio - ambos seres humanos.

"Assim - continua a ilustre Magistrada - o único ponto controvertido é o elemento subjetivo. Deve ser salientado que a vontade é elemento integrante do tipo penal. Importante saber se os réus quiseram o resultado morte ou assumiram o risco de produzi-lo, para fixar a competência constitucional desce Tribunal do Júri, ou se ocorreu outro crime com resultado morte, hipótese em que é competente para julgamento o juiz singular.
"A atividade humana é um acontecimento finalista, não somente causal. Toda conduta humana é finalísticamente dirigida a um resultado. Nosso Código Penal é finalista. (...)”

Não há, quanto a este tema, nenhuma novidade. Neste Tribunal já se resolveu assim. (REsp n° 40.l80-MG, Rel. designado Min. Adhemar Maciel, DJ 11.03.96), o caso, em resumo, foi o de um menor que, contando com a liberalidade do pai, saiu numa motocicleta e atropelou um transeunte, causando-lhe lesões corporais.

Por isso, foi denunciado pelo CP, Art. 129, c/c os Arts. 69 e 29, A denúncia foi recebida, pediu-se "ordem de habeas corpus" para trancamento da Ação Penal. O TJMG trancou ao entendimento de que o caso era de responsabilidade penal objetiva.

O Ministério Público de Minas Gerais recorreu alegando dissídio jurisprudencial com Acórdão do STF e interpretação equivocada da lei federal. Vamos ao voto vencedor do Ministro Adhemar Maciel:

"O artigo tido por violado foi o 43, I, do CPP. O aresto atacado ao determinar o trancamento da ação penal estava vedando a possibilidade de o recorrente deduzir sua pretensão punitiva.

No tocante à divergência jurisprudencial, transcreveu decisões do STF admitindo o concurso de agentes em crime culposo e, mais, que não se pode trancar ação, penal com escopo de se apurar a real apuração dos fatos.

Como o eminente relator observou, tranqüila é a admissão pelo STF e pelo STJ de co-autoria em crime de natureza culposa. Assim, em tese, ponho-me em linha com S. Exa.

Quanto à alínea "a", tenho para mim que o aresto atacado não desrespeitou o inc. I, do art. 43 do CPP. No mesmo sentido do Acórdão do Tribunal Mineiro, penso que a conduta do denunciado/recorrido (o pai) não é típica. Hoje, pela doutrina WELZEL (Das deutsche Strafrencht), a denominada "teoria finalista da ação", adotada por nosso CP, a culpa integra o tipo. E um dos elementos do tipo culposo é exatamente a previsibilidade objetiva que não corresponde ao cuidado requerido ou devido. Para que o recorrido tivesse praticada uma ação típica, o acontecimento ilícito deveria estar na esfera de previsibilidade. Não estava. Quantos menores de idade dirigem .veículos sem a menor conseqüência penal? E quantos maiores, administrativamente habilitados, atropelam e matam?

Dessarte, não conheço pela alínea "a". Pela "c", conheço, para negar-lhe provimento. É o meu voto, pedindo vênia para o eminente Ministro .Relator."
Retomo à sentença aqui atacada chamando a atenção para estes pontos.

"A denúncia veio fundada no dolo eventual. Pretendem os réus a desclassificação do ilícito, seja para o crime de lesões corporais seguidas de morte, previsto no artigo 129, § 3°, ou do 250, § 2° do mesmo diploma. Desde já afasto a possibilidade de tratar-se somente de crime culposo, pois no tipo culposo o agente realiza uma ação cujo fim é lícito, mas por não se conduzir com observância do dever de cuidado, dá causa a um resultado punível. E atear fogo em pessoa no abrigo de ônibus, para assustá-la, à evidência não é atividade lícita. Também não pode ser aceita a pretendida capitulação do ilícito como incêndio culposo. Os acusados confessaram que atearam fogo na vítima. E o tipo subjetivo do crime de incêndio é a vontade deliberadamente dirigida ao incêndio de alguma coisa, tendo o agente consciência e vontade de produzir uma situação de perigo comum. Um ser humano não é uma coisa, seja ele índio ou mendigo.

Assim, restam somente o homicídio praticado com dolo eventual e crime de lesões corporais seguidas de morte, denominado "preterdoloso", em que há dolo quanto à lesão corporal e culpa quanto ao homicídio. A linha divisória entre ambos é tênue. (...) . (Sentença, fls. 09/12)".

A conclusão da sentença se escuda em respeitável doutrina:

"A culpa consciente limita-se com o dolo eventual (CP, Art. 18, I, in fine). A diferença é que na culpa consciente o agente não quer o resultado nem assume deliberadamente o risco de produzi-lo. Apesar de sabê-lo possível, acredita sinceramente poder evitá-lo, o que só não acontece por erro de cálculo ou por erro na execução. No dolo eventual o agente não prevê o resultado danoso como também o aceita como uma das alternativas possíveis". (Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 4ª Edição) .

"Há dolo eventual quando o agente assume o risco de produzir o resultado (CP, Art. 18, I, in fine). Assumir o risco significa prever o resultado como provável ou possível e aceitar ou consentir sua superveniência. O dolo eventual aproxima-se da culpa consciente e dela se distingue porque nesta o agente, embora prevendo o resultado como possível ou provável não o aceita, nem consente. Não basta, portanto, a dúvida, ou seja, a incerteza a respeito de certo evento, sem implicação de natureza volitiva. O dolo eventual põe-se na perspectiva da vontade e não da representação, pois esta última pode conduzir também à culpa consciente. Nesse sentido já decidiu o STF (RTJ 35/282). A rigor, a expressão "assumir risco" é imprecisa para distinguir o dolo eventual da culpa consciente e deve ser interpretada em consonância com a teoria do consentimento". (Heleno Fragoso, Lições de Direito Penal, 8ª Ed., Forense.)

Vale lembrar, ainda, esta observação da ilustre Juíza sentenciante:
"Traçados os balizamentos, tarefa mais árdua é a de pesquisar, no caso concreto, o animus que conduziu os agentes ao crime. Coloca-se o julgador à frente do dilema: "queriam os jovens matar aquele que dormia no abrigo de ônibus ou fazer uma brincadeira cujo resultado foi mais grave do que o desejado?”

Abro um parêntese, a propósito dessa expressão - brincadeira - que aparece constantemente no enredo, em vários momentos da sentença, dos depoimentos, das alegações da defesa. É na verdade uma brincadeira de muitíssimo mau gosto, cruel. Consiste em atear fogo no pé de quem dorme até mais tarde; praticava-se nos pensionatos, no nordeste, onde é conhecida como "papagaio". Alguma coisa inflamável, um pedaço de papel, por exemplo, no pé do dorminhoco e risca-se o fósforo. Quem morou em pensionato no nordeste sabe que isso faz parte de uma cultura selvagem; não é uma invenção sádica de jovens de classe média. É uma brincadeira perigosa e contra a qual não se viu, até hoje, nenhuma campanha educativa nos meios de comunicação. Eu já fui vítima dessa "brincadeira". Os acusados não contavam certamente com o fato de que a vítima havia ingerido bebida alcoólica e que escava envolta num lençol feito com material de origem plástica, de fácil combustão. Explicado o sentido da palavra "brincadeira", que aparece constantemente neste enredo, fecho o parêntese.

Retomo ao texto da Sentença:

"Para obter a difícil resposta sobre o elemento subjetivo, um dos meios a considerar é a potencialidade lesiva do meio empregado, dado bastante relevante. O fogo pode matar, e foi o que ocorreu, mas sem dúvida não é o que normalmente acontece". (Sentença, fls. 15)

Mais adiante:

"por outro lado, mais um dado importante evidenciou-se durante a instrução. É que, apesar de terem adquirido dois litros de combustível, logo que chegaram ao locus delicti o conteúdo de um dos vasilhames foi derramado na grama. o laudo de exame do local demonstra a afirmativa, principalmente a fotografia de fl. 182. A prova técnica, por seu turno, também vem ao encontro da versão dos acusados de que os fósforos foram acesos precipitadamente enquanto Eron derramava o líquido inflamável sobre a vítima, fazendo-o largar abruptamente o vasilhame. A fl. 173 dos autos esta consignado que "sob o banco do abrigo havia um recipiente plástico, opaco, na cor verde, com as inscrições "Lubrax SJ Óleo para motores à gasolina e álcool" - volume 1000 ml, vazio, que se encontrava com a parte superior comburida. (Sentença, fl. 16)

(. . . )

À fl. 18 e seguintes:

"Assim, analisada como um todo, a prova dos autos demonstra a ocorrência do crime preterintencional e não do homicídio. A ação inicial dos réus, sem qualquer dúvida, foi dolosa. Não há como afastar a conclusão de que ao atearem fogo na vítima para assustá-la sabiam que iriam feri-la. O resultado morte, entretanto, que lhes escapou à
vontade, a eles só pode ser atribuído pela previsibilidade. Qualquer infante sabe dos perigos de mexer com fogo. (...) Os réus também têm este conhecimento. Entretanto, mesmo sabendo perfeitamente das possíveis e até mesmo prováveis conseqüências do ato impensado, não está presente o dolo eventual. (...) Assumir o risco é mais, é assentir no resultado, é querer ou aceitar a respectiva concretização. É necessário que o agente tenha a vontade e não apenas a consciência de correr o risco. E o ter a vontade é elemento subjetivo que está totalmente afastado pela prova dos autos, que demonstrou à saciedade que os acusados pretendiam fazer uma brincadeira selvagem, ateando fogo naquele que presumiram ser um mendigo, mas nunca anuíram no resultado morte. (...)

Por fim:

"por mais ignóbil que tenha sido a conduta irresponsável dos acusados, não queriam eles, nem eventualmente, a morte de Galdino Jesus dos Santos. A emoção e indignação causadas pelo trágico resultado não podem afastar a razão. Assim, os réus devem ser julgados e punidos unicamente pelo crime cometido que, salvo entendimento diverso do MM. Juiz competente, é o de lesões corporais seguidas de morte. Inexistente o animus necandi (por não terem os acusados querido o trágico resultado ou assumido o risco de produzi-lo, repita-se), está afastada a competência do Tribunal do Júri, devendo os autos ser encaminhados a uma das Varas Criminais, a que couber por distribuição". (Sentença, fl. 21)
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal confirmou isso tudo. Entendeu que a sentença que aqui se pretende alvejar, por intermédio deste Recurso Especial, está carreta, suficientemente fundamentada e que quanto a lei e a jurisprudência, igualmente, não ha reparos.

Eu também não tenho muito a acrescentar.

Não se pode aplicar o direito no serviço da justiça entendendo de um jeito para uns e de maneira diferente para os outros. Aqui se impõe o princípio da igualdade - todos são iguais perante a lei.

Justiça não se confunde com vingança. Sempre que as emoções emergem e se impõem, os clamores ecoam.. E esse eco, pela potencialidade dos seus decibéis, impressos ou eletrônicos, repercute, quase sempre, com o tom do grito. E o grito, sabemos todos, prefere os ouvidos passivos, aqueles que se intimidam, mais acostumados a ouvir ordens.

Ora, isso não é conforme a cidadania. A cidadania requer consciência dos direitos. A cidadania tem como pressuposto a igualdade, o princípio de que todos são iguais e como alma a indignação.
Indignar-se diante da violência; clamar por Justiça; protestar contra a impunidade; enfim, são atitudes da cidadania.

Pena que a nossa cultura ainda esteja num estágio, menor por enquanto, em apenar os delitos de sangue, gravíssimos todos eles; os que, de qualquer maneira resultam em morte imediata; pena que o nosso estágio civilizatório ainda se conforme só com isso, melhor dizendo sempre mais com isso.

A cidadania impõe vigilância e cobrança também contra os peculatórios da vida pública, contra os estelionatários da confiança popular. Esses também praticam crimes com resultado morte, só que de formas mais diversas. Quem desvia o dinheiro do Sistema Único de Saúde; quem fica com as verbas da merenda escolar; quem impede, pelo furto do dinheiro público, que mais escolas sejam abertas; que estradas sejam recuperadas, portos melhorados, rios navegáveis, ferrovias trafegáveis – esses também são criminosos.

O déficit público, resultante da má gestão; do desperdício; do furto; dos desvios; a deterioração dos recursos públicos também mata índio, mendigo, criança, aposentado, funcionário público, empresário e, também, empresa de comunicação.

É esse interesse, como o destas últimas horas no País, que ainda espero ver traduzindo indignações e clamores para que não fiquem impunes os meliantes que, sorrateiramente, ampliando os níveis de miséria e da fome e do desemprego, só reduzem a estatística dos latifúndios dos cemitérios.

Mas Justiça - dizia eu - não se confunde com vingança.

Não se está resolvendo aqui se os acusados são inocentes. A sentença que aqui se quer derrogar já resolveu que não podem, até aqui, serem inocentados. São acusados de crime grave.

O que não é da minha função é resolver contra minha convicção segundo a qual a sentença está correta e, do mesmo modo, correta também a decisão do Tribunal de Justiça.

Ao Juiz incumbe, diante dos fatos e das provas:

PRONUNCIAR; Art. 408, caput, do CPP: em sendo qualquer dos crimes dolosos contra a vida, havendo indícios de autoria e convencimento da existência do crime (materialidade) esta decisão remeterá o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. "Ao prolatar a sentença de pronúncia o magistrado deve exarar a sua decisão em termos sóbrios e comedidos, a fim de não exercer qualquer influência no ânimo dos jurados" (RT 13/344).
2. IMPRONUNCIAR; Art. 409 do CPP: quando ausente um dos pressupostos para pronunciar, isto é, se o magistrado não se convencer da existência de crime, ou de indício suficiente de que o réu seja o seu autor, julgará improcedente a denúncia, impronunciando o réu.

3 . ABSOLVER SUMARIAMENTE; Art. 411 do CPP: quando inequívoca a presença de qualquer causa que exclua o crime ou isente o réu de pena (arts 17, 28, 19, 22 e 24, § 1° do CP).

4. DESCLASSIFICAR; Art. 408, § 4° e 410 do CPP: quando evidente e provado NÃO SER o crime doloso contra a vida, desclassificando a conduta criminosa atribuída aos réus (art. 408, § 4° do CPP), para outra da competência do Júri ou do Juiz singular, como no presente caso.

E o que fez a Douta Magistrada? Desclassificou.

Diante dos fatos e das provas, entendeu que não cabe acolher o dolo eventual. A propósito, cita-se o parecer de Professor Francisco de Assis Toledo:

"DESCLASSIFICAR: Art. 408, § 4° e 410 do CPP: quando evidente e provado NÃO SER crime doloso contra a vida, desclassificando a conduta criminosa atribuída aos réus [art. 408, § 4° do CPP), para outra da competência do Júri ou do Juiz singular, como no presente caso."

O precedente de minha relatoria, invocado pelo Ministro Gilson Dipp no Despacho trazido à lembrança pela douta defesa, é este aqui:

AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 27987-4 - MG (REG.: 92.0025196-0
(...)

DESPACHO
Vistos, etc.
Estava numa gaveta do guarda-roupas, no quarto de Neusa Maria Vega Dias Batista, 44 (quarenta e quatro) anos, casada, professora de educação física, a maconha que ela mandava o filho, menor de 16 (dezesseis) anos, vender aos viciados de Baependi, Minas Gerais.
O Juiz da Comarca a absolveu da acusação de tráfico, (Lei n° 6.368/76, Arts. 12 e 18). O Ministério Público apelou e o Tribunal de Justiça do Estado condenou-a a três (03) anos e seis (06) meses de reclusão.(Lei n° 6368/76, Art. 12 c/c o CP, Art. 70).
A pretensão de interpor Recurso Especial (CF, Art. 105, III, "a" e "c") para este Superior Tribunal de Justiça esbarrou num Despacho contra o qual vem este Agravo. O Ministério Público Federal, nesta instância, é pelo improvimento.
Embora a recorrente tenha justificado a invocação da alínea "a", não indicou qual o texto legal violado e em que teria consistido essa violação. Quanto a esse fundamento - negativa de vigência de lei federal, o Recurso é inviável.
Quanta à alínea "c" - dissídio jurisprudencial, "se a condenação se baseou na prova produzida no decorrer da instrução da causa, não há como divisar, no caso, divergência pretoriana, ainda mais quando os acórdãos paradigmas dizem respeito a confissões isoladas, enquanto o respeitável recorrido salienta que a confissão corrobora nas demais provas do processo". (Fls. 120).
Incide, portanto, a toda evidência, a Súmula 07 deste Superior Tribunal de Justiça. Não é o caso de aferição da legalidade das provas mas seu simples reexame.
Nego provimento ao Agravo.
Publique-se.
Brasília, DF, 21 de março de 1995.

Já percebem para onde me encaminho...

Dolo eventual não se presume; prova-se. Isso é matéria de instrução criminal.

Em nível de Recurso Especial, não cabe revolver fatos e provas. O STJ não é terceira instância. É o que indica a Súmula 07 – “a pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial".

É o caso aqui.

O que se está fazendo é reexaminar provas e fatos; ou seja, rejulgando a causa, reapreciando o mérito da sentença. Minha convicção é de que o Acórdão resolveu corretamente a questão ao manter e sentença. E que este Recurso não merece ser conhecido. Não é caso de aferição de legalidade de provas mas do seu simples reexame.

Portanto, Senhor Presidente, Senhores Ministros, não conheço do recurso. Mas como já estou vencido na questão do conhecimento, obstáculo já superado pela maioria, vou ao mérito. E no mérito, nego provimento ao recurso.

E mais.

Consigno neste voto que, superados os fatos que ensejaram a decretação da prisão preventiva dos acusados, ora recorridos, concedo, ex oficio, ordem de habeas corpus para que todos aguardem o julgamento final em liberdade, sob a proteção de suas famílias junto às quais estarão mais seguros e custodiados do que sob a proteção do Estado, ainda mais sabendo-se, como se sabe, que um deles já foi lamentavelmente adoecido pelas condições carcerárias desumanas impostas pelo Poder Público no País. (Junto cópia do voto que proferi no RHC n° 6876-DF, julgado em 21.10.97).

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Nro. Registro: 98/0076411-9
REsp 192049/DF
MATÉRIA CRIMINAL
Pauta: 09 / 02 / 1999
JULGADO: 09/02/1999
Relator Exmo. Sr. Min. FELIX FISCHER
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA
Subprocurador-Geral da República
EXMO. SR. DR. EITEL SANTIAGO DE BRITO PEREIRA
Secretário (a)
JUNIA OLIVEIRA C. R. E SOUSA

AUTUAÇÃO

RECTE: MINISTÉRIO PUBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

RECDO: ERON CHAVES OLIVEIRA (PRESO) .

RECDO: TOMAS OLIVEIRA DE ALMEIDA

ADVOGADO: RAUL LIVINO VENTIM DE AZEVEDO E OUTROS

RECDO: ANTONIO NOVÉLLY CARDOSO DE VILANOVA (PRESO)

ADVOGADO: HERALDO MACHADO PAUPÉRIO

RECDO: MAX ROGÉRIO ALVES (PRESO)

ADVOGADO: WALTER JOSÉ DE MEDEIROS

SUSTENTAÇÃO ORAL
SUSTENTAÇÕES ORAIS:
DR. EITEL SANTIAGO DE BRITO PEREIRA (P/MPF)
DRA. HERILDA BALDUINO DE SOUSA (ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO)
DR. HERALDO MACHADO PAUPÉRIO (P/ RECDO: ANTONIO NOVÉLLY CARDOSO DE VILANOVA) '
DR. WALTER JOSÉ DE MEDEIROS (P/ RECDO. MAX ROGÉRIO ALVES)
DR. RAUL LIVINO VENTIM DE AZEVEDO (P/ RECDOS: ERON CHAVES OLIVEIRA E TOMAS OLIVEIRA)

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA ao apreciar o processo
em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte
decisão:

A Turma, por maioria, conheceu do recurso e, no mérito, também por maioria, deu provimento ao recurso para submeter os réus ao Tribunal do Júri; vencido o Ministro Edson Vidigal que concedeu ordem "ex officio".
Votaram com o Relator os Ministros Gilson Dipp e José Arnaldo
O referido é verdade. Dou fé.
Brasília, 9 de fevereiro de 1999

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