domingo, 9 de setembro de 2007

Biossegurança

Quando a vida começa?Ministros do STF julgarão a constitucionalidade do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. O que está em discussão é se há ou não existência humana antes do 14º dia de fecundação
Uma das questões mais complexas da existência humana está nas mãos dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Eles terão que decidir, nas próximas semanas, o momento exato do início da vida. O tema é tão controverso que nem os maiores prêmios Nobel do mundo chegaram a um consenso. Não conseguiram porque em jogo, além da própria ciência, estão doutrinas religiosas, culturais e filosóficas. Agora, sob o risco de os pesquisadores brasileiros perderem o direito de descobrir o potencial de cura das células-tronco embrionárias em portadores de doenças degenerativas e vítimas de acidentes, a corte do Supremo terá que bater o martelo sobre o assunto. Numa prévia do que será debatido no STF, o Correio ouviu duas diferentes visões sobre o início da vida e a retirada de células-tronco de embriões. De um lado, está o advogado Luís Carlos Barroso, que representa a organização não-governamental (ONG) Movimento em Prol da Vida (Movitae). Do outro, o subprocurador da República Cláudio Fonteles, para quem as pesquisas ferem o princípio da vida. Em 2005, ele entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a Lei de Biossegurança, por ela permitir a pesquisa com células-tronco colhidas de embriões até o 14º dia seguinte à fecundação do óvulo. Fonteles entende que, nesse momento, já há vida, independentemente de a concepção do embrião ter ocorrido em fertilização in vitro. E, por isso, ao usar o pequeno embrião congelado no laboratório os pesquisadores estão ferindo o artigo 5º da Constituição, que garante o direito à vida. O assunto é para lá de polêmico. Existem correntes que consideram que a vida começa na hora da nidação, que ocorre cerca de duas semanas após a fecundação, quando o embrião se fixa na parede do útero materno. Há também os que só consideram vivo o bebê após o parto. Mas a corrente com maior número de adeptos é a que marca o início da vida para o 14º dia após a fecundação, quando se começa a formar o sistema nervoso. A escolha dessa etapa de desenvolvimento se explica, ironicamente, pela hora da morte de uma pessoa. A vida acaba quando há morte cerebral, ou seja, quando o sistema nervoso deixa de funcionar. Por isso, ela começaria no momento em que ele se forma. O caso está nas mãos do ministro Carlos Ayres Britto que deve entregar seu relatório nas próximas semanas. Em seguida, o plenário do Supremo vai se posicionar. Se o STF concluir que a vida começa antes das duas semanas seguintes à fecundação, as pesquisas com células-tronco embrionárias voltam a ser proibidas depois de apenas um ano liberadas. Nesse caso, os cientistas brasileiros terão de sair do país ou trabalhar apenas com as células-tronco adultas. Estas são retiradas de cordões umbilicais, medula ou sangue, mas não têm, segundo análises preliminares, o mesmo poder de transformação das recolhidas dos embriões. É esse o grande trunfo da célula-tronco, tida como curinga do corpo humano por ter capacidade de desenvolver diferentes tecidos. Quanto mais nova a célula, mais tecidos ela pode criar.
Luís Roberto Barroso
“Oferecem a esperança de aliviar o sofrimento”O advogado Luís Roberto Barroso foi chamado pela organização não-governamental (ONG) Movimento em Prol da Vida (Movitae) para defender o direito dos pesquisadores brasileiros de trabalharem com células-tronco retiradas de embriões. A autorização, de acordo com o jurista, oferece esperança de aliviar o sofrimento de pessoas portadas de doenças como lesões medulares ou doenças degenetarivas. “O papel do Estado, nas questões que envolvem divergências filosóficas na sociedade, é assegurar a autonomia privada de cada um”, disse Barroso ao Correio.
Por que as pesquisas com células-tronco embrionárias são constitucionais? Por um motivo muito simples, nós não partimos do pressuposto que um embrião congelado em um tubo de laboratório deve ser equiparado à vida como está na ação direta de inconstitucionalidade. Sendo assim, a Lei de Biossegurança não fere o artigo 5º da Constituição que garante o direito fundamental à vida.
Não há vida nos embriões de laboratório? De forma alguma. Um embrião congelado em um tubo de ensaio não é pessoa humana nem nascituro. O argumento de que há violação do direito à vida adota uma posição radical em relação ao momento em que tem início a vida: parte da premissa de que ela existe desde a primeira fração de segundo em que o espermatozóide fecunda o óvulo.
A lei permite a coleta de células até duas semanas depois da fecundação. Nem nesse momento há vida? A admissão das pesquisas com células-tronco embrionárias, que precisam ser colhidas até o 14º dia, é compatível com inúmeras outras posições sobre o momento em que começa a vida. Respeita, por exemplo, os que falam da hora da nidação, que é quando o embrião se implanta no útero. E também se encaixa nos que falam do momento da formação do sistema nervoso central do embrião. Além disso, há a corrente que garante que não há ser vivo porque o feto é incapaz de viver sem a mãe, como ocorre no laboratório.
Ao permitir o uso de embriões para coletar células-tronco, a Lei da Biossegurança não fere outra norma em vigência? Não. Ela disciplina a matéria de maneira prudente, em sintonia com a legislação dos principais países desenvolvidos. De fato, a lei aprovada ano passado pelo Congresso só permite o uso de embriões excedentes dos procedimentos de fertilização in vitro, vedando tanto a clonagem humana como a clonagem terapêutica, que cria órgãos ou células. É proibido, também, o comércio de embriões.
O que o senhor espera do Supremo? A Lei de Biossegurança foi legitimamente aprovada e o STF não deve declará-la inconstitucional. O papel do Estado, nas questões que envolvem divergências filosóficas na sociedade, é assegurar a autonomia privada de cada um. Vale dizer: cada pessoa decidirá, de acordo com sua consciência, o caminho que deseja percorrer. No caso das pesquisas com células-tronco, a lei faz isso ao exigir prévio consentimento dos genitores para uso dos embriões congelados.
E qual a importância da permissão das pesquisas? Elas oferecem a esperança de aliviar o sofrimento de pessoas portadas de doenças como lesões medulares, seja paraplegia ou tetraplegia, assim como diabetes, distrofia muscular e mal de Alzheimer. (EK)
Cláudio Fonteles
“O homem não é só ciência, é amor também”
O subprocurador da República Cláudio Fonteles foi o responsável pela provocação do Supremo Tribunal Federal. Católico, ele garante que não foi guiado pela religião na decisão de questionar o uso de embriões nas pesquisas de célula-tronco. Tudo estaria relacionado a não matar seres vivos em nome de pesquisas que ainda não têm resultado. “A fecundação marca o processo inicial da vida”, defendeu, em entrevista ao Correio, ao referir-se às pesquisas como descumprimento do artigo 5º da Constituição.
Por que as pesquisas com células-tronco de embriões ferem a Constituição? O artigo 5º, que garante os direitos fundamentais da pessoa e da comunidade, define que é inviolável o direito à vida. Minha proposta é levar ao debate da Suprema Corte quando começa a vida.
E quando começa? Na minha opinião, e baseado em vários pronunciamentos de juristas, a fecundação marca o processo inicial da vida. No momento que surge o ovo, surge uma célula totipotente, ou seja, que tem todas as potencialidades e que não é uma cópia da mãe nem do pai. É essa célula que se multiplica para formar o feto.
E no caso da fertilização in vitro? O fato de falar que foi feito em laboratório não elimina o raciocínio de que o embrião está vivo desde a fecundação.
Mas essas clínicas produzem mais embriões do que o necessário para fecundação , e os não usados são jogados no lixo após um período. Não seria melhor permitir o uso em pesquisas? Não podemos permitir isso. Não pode de jeito nenhum. Hoje não precisa fazer coleta de 10 óvulos. A ciência já avançou nesse sentido.
Mas os médicos coletam mais por segurança Mas não podemos deixar que vá para o lixo, porque aí será matar. Quando o Supremo disser que a vida está na fecundação, descartar um embrião será atentado à vida. Não precisa nem lei para isso. Simplesmente será crime.
Qual a solução para as pesquisas então? O Brasil deveria investir em bancos de cordão umbilical para retirar as células-tronco adultas, que já apresentam sucesso. Na pesquisa das embrionárias estamos no escuro, nenhum país teve resultados. Então, porque não apostar no que sabemos que dá certo?
O senhor tem essa postura porque ser católico? Claro que quando eu me manifesto nessa linha há uma influência do lar católico onde me criei, assim como a geneticista Mayana Zatz e o advogado Luís Roberto Barroso foram influenciados pela formação judia. Sou contra colocar marcas nas pessoas. Minha colocação não tem nada com religião. Estou debatendo no STF qual é o momento da vida.
Argumentam que o senhor é contra as pesquisas porque não teve casos na família que seriam curados com células-tronco. O que o senhor responde? Que é bobagem. Há um ano, Luiz Antônio, irmão da minha mulher e grande companheira, caiu desmaiado no chão de sua casa e não se levantou mais. Os médicos disseram que o quadro era irreversível. Bem, um ano depois de tratamento médico e muita atenção da nossa família, ele começa aos poucos a mexer um dos dedos do pé. O homem não é só ciência, é amor também. (EK)

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