quarta-feira, 8 de agosto de 2007

O caso do índio Galdino

Não sou jurista. Não conheço os réus. Não conheci Galdino. Sempre defendi a, causa indigenista. Trabalho há muitos anos, com jovens, lecionando. Há quase 5 anos, todos ficamos chocados e revoltados. O tempo passa rápido para nós, aqui fora. As posições das pessoas sobre o assunto são em geral radicais, passionais, o que até se entende pelas circunstâncias e, em particular, pela pressão exercida pela mídia, que, de certa forma, emitiu seu veredicto previa­mente, assim como - oportunisticamente - o fez o Presidente da República, em cujos 7 anos de governo muito pouco se fez por es­sa minoria (e pelas demais).
Centenas de pessoas são queimadas anualmente nas ruas, sem que ninguém aparentemente se importe com elasComo leigo e cidadão, fiquei com a incômoda sensação de que se julgaram os 500 anos de opressão dos brancos, que, no caso, eram também mais ricos e poderosos. O Brasil é assim mesmo; sempre foi. Precisamos expiar nossas culpas coletivas, "inconscientes”. Num país de tantos privilégios e impunidade, onde encenar é mais importante que ser, é mais fácil ficar com a maioria. Centenas de pessoas são queimadas anualmente nas ruas, sem que ninguém aparentemente se importe com elas. Isto, como é óbvio, não justifica , nem ameniza o crime; nem justifica, tampouco, que o fato se transforme em símbolo de vingança, como parece ter ocorrido.
O ato, sem dúvida, foi irresponsável, cruel mesmo, mas é muito difícil acreditar que o desfecho fosse o desejado. Esses rapazes também são o produto de uma sociedade fútil de uma educação inconseqüente, vivendo na ociosidade, na inutilidade da própria falta de perspectivas. Toda a nossa geração deveria estar sendo julgada. Mas é mais fácil transferir a responsabilidade. Provavelmente, os jurados também já traziam a sentença em suas mentes. É mui­to triste para os familiares de Galdino; e para os dos rapazes também. Ouvi coisas as mais absurdas a respeito do assunto. Li afirmações de que os rapa­zes tinham privilégios injustificáveis: um vaso sanitário; 5 m2 em vez de 2; luz natural pela janela da cela; e muitas outras bobagens. E pensava: quanta hipocrisia nesta sociedade! Por que não admitem que são a favor da pena de morte? Será que os outros presidiários não merecem essas mesmas mordomias? As penitenciárias serão lugares de ressocialização ou de sujeição dos indivíduos às mais abjetas condições de vida? Não serão exatamente essas desumanas condições que transformam nossas prisões em verdadeiros infernos? Ouvi gente ­
da mais alta autoridade - dizendo que os rapazes agora teriam de ficar em celas comuns, talvez com dezenas de outros. Perguntei-me: que “periculosidade” eles representam? Conseguiriam sobreviver se não se transformassem também em bandidos pro­fissionais? No mínimo, seriam submetidos a toda a sorte de humilhações e sevícias, além de objeto sexual. E pensei: quantos de nossos filhos não estariam correndo riscos idênticos, numa aventura tresloucada, numa madrugada qualquer, acompanhados de outros jovens igualmente desorientados?
­ O Estado não pode ser vingativo; ele existe para permitir que não se faça justiça com as próprias mãos, que não no manchemos com mais sangue. O Estado apura, pune,e tem de assegurar uma reparação.
Nada trará Galdino de volta aos seus. Mas 5 anos é uma eternidade para quem perdeu sua juventude, não tem vida afetiva nem sexual, recebeu uma marca indelével da sociedade, não tem perspectivas de es­tudo ou trabalho. É isso realmente que desejamos?
Não seria muito mais inteligente, barato e humano que aplicássemos a esses rapazes algum tipo de pena alternativa, que os obrigasse, por exemplo, a prestarem serviços, um dia por semana, sob rigorosa supervisão, a um hospital de queimados, onde pudessem relembrar o dano e a dor que causaram? Não seria essa a melhor maneira de ressocializá-los, de dar-lhes a oportunidade de retomarem ao convívio social e oferecer-lhes alguma perspectiva de vida?
Só alguns sentam no banco dos réus. Mas todos somos julgados.


Roberto Bocaccio Piscitelli é professor da UnB

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